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  • 14/08/2021 08:00
    Por Gastão Reis

    Apporelly, autointitulado Barão de Itararé, instado a definir o que era o Estado Novo do ditador Getúlio Vargas, foi no fígado: “É o estado a que chegamos”. Definição que vale para a república brasileira dos dias atuais e de antanho. Bolsonaristas e antibolsonaristas se degladiam nas redes sociais. Os primeiros o chamam de mito, o salvador da pátria. A corrente oposta carrega nas cores como se fosse o mensageiro do fim dos tempos. Quem busca a verdade e os fatos sabe dos percalços quando se opta pelos extremos. O que parece nos escapar é que a angustiante situação atual possa trazer em seu bojo, dado o quadro de paralisia de quatro décadas, algo novo para o país voltar a crescer numa nova moldura político-institucional estável. Vamos aos fatos.

    Na terça-feira, dia 10.08.21, Brasília assistiu, bestificada, a um desfile de blindados, das três forças, que foram levar ao presidente Bolsonaro um convite para comparecer a manobras militares nas proximidades de Brasília. E justamente no dia em que o Congresso iria votar a proposta do voto impresso defendido por Bolsonaro. Queiramos ou não, pairou no ar uma ameaça velada ao Parlamento como se o presidente estivesse dando uma demonstração de força e de apoio das Forças Armadas ao seu comandante supremo.

    A despeito das negativas dos ministros palacianos, que era um evento programado há meses, e que por acaso caiu no mesmo dia da decisão do voto impresso, a explicação não foi levada a sério. Duras críticas partiram de todos os lados. Em sua entrevista a O Globo (11.8.2021), o historiador José Murilo de Carvalho diz que não crê que haja respaldo nas Forças Armadas para um golpe, mas comenta que “tropa circundando o congresso é mau agouro”. Também entrevistado no mesmo dia, o jurista Joaquim Falcão foi incisivo: “Bolsonaro humilha as pessoas e as instituições”. E questiona a harmonia supostamente existente entre os poderes ditos independentes, saudoso talvez de um regime parlamentarista em que o Chefe de Estado atua para pacificar os conflitos político-institucionais dos demais poderes.  Os chefes dos outros dois poderes também foram contundentes em suas respostas.

    Setores da mídia nos falam do constrangimento que teria havido na cúpula do Exército diante de tanques e blindados desfilando pelas ruas da capital federal. Esse mal-estar respalda o fato de Bolsonaro não encontrar apoio, como havia dito o historiador José Murilo de Carvalho, na principal Força para ir às últimas consequências. Pelo jeito, a Marinha e a Aeronáutica também não pretendem seguir nessa direção. Evitam se meter em mais uma aventura intervencionista como ocorreu no passado com resultados desmoralizantes para os militares. Esta atitude das três forças é um ponto positivo. E novo.

    Por outro lado, é público e notório que a população e analistas bem informados contestam acidamente certas decisões, dentre outras, do STF (o 8 a 3 a favor de Lula!); que os parlamentos nos três níveis estão longe de gozar de amplo respeito popular (quase dobrar a verba para as campanhas eleitorais gerou indignação país afora); e que os próprios executivos federal, estaduais e municipais deixam muito a desejar em termos de desempenho.

    Até aqui, parece que o país não tem mesmo jeito. Pau que teria nascido torto. Mas é preciso ir mais fundo em busca da luz no fim do túnel. Se as Forças Armadas não se dispõem a aventuras, e se, nas palavras de FHC, falta alma ao nosso arcabouço político-institucional, é compreensível o desânimo e o fatalismo reinantes. O que fazer? O caminho em direção à luz exigirá humildade e autocrítica das partes envolvidas.

    Tomemos, inicialmente, os militares. A recusa em participar de mais um golpe revela maturidade. Um certo cansaço em relação às soluções de força e seus resultados contraproducentes para o País. Consolidar essa nova postura das Forças Armadas exigiria, por exemplo, incluir no currículo das academias militares uma cadeira de história das intervenções militares na América Latina e incutir-lhes na alma quão pobres foram os resultados obtidos a longo prazo.

    No que diz respeito ao mundo civil, aqui inclusos políticos, agremiações partidárias, aparato judicial, governos federal, estaduais e municipais, é fundamental reconhecer que carecem de mudanças estruturais para reverter o estado (deteriorado) a que chegamos: corrupção sistêmica, políticos que não nos representam e desigualdade social (quase) campeã mundial. É preciso reconhecer que as atuais instituições, certas em ao resistir ao golpismo (passou a ser crime pela nova Lei de Segurança Nacional) estão bastante equivocadas quanto à sua capacidade de colocar o País nos eixos.  Um povo a serviço de sua (caríssima!) burocracia, e não o inverso, tem pleno direito de almejar um futuro diferente e promissor.

    O deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança, formado pela Universidade de Stanford em ciência política, vem desenvolvendo uma proposta de nova constituição com uma equipe de juristas a ser debatida pela sociedade brasileira democraticamente. A ideia é criar uma carapaça protetora do Estado de Direito, vale dizer, em que o eleitor controle efetivamente os políticos e a burocracia para evitar decepções. “Ter uma constituição que o leigo leia e entenda”, nas palavras do próprio deputado. O intento é evitar manipulações. Deverá ser lançada no início de setembro deste ano.

    Em entrevista concedida em 8.11.2020, o deputado Luiz Philippe põe o dedo nas feridas da Carta de 1988. Segundo ele, seu maior risco é transferir o poder para quem a interpreta. Os chefes de Estado e de governo passam a ser ocupados por atores distintos. Abre espaço para que o povo exerça poder sem se substituir aos demais poderes. E o federalismo passa a ser respaldado por lei para efetivamente descentralizar o poder em direção à subsidiariedade. Tem luz no fim do túnel. E não é chuva, mas um belo sol.

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