• Uma homenagem merecida a Dom Pedro I

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  • 24/07/2022 11:47
    Por Gastão Reis

    Foi uma grata surpresa tomar conhecimento do Projeto Grafite Imperial, que tem como tema a chegada de Dom Pedro I a Petrópolis. Ele está sendo grafitado no muro externo do Colégio Estadual Cardoso Fontes entre os dias 14 e 24 de julho corrente. Na matéria do Diário de Petrópolis, de 21.7.2022, o texto nos informa: “Educação e arte juntos, como sempre devem estar”. Os ar-tistas escolhidos para dar vida ao projeto, Dimi e Sunk, moram em Petrópolis. Tem ainda a contribuição do carioca Leandro ICE. Eles já deixaram sua marca em várias cidades do Brasil, inclusive em outros países como EUA e Chile.

    O que me chamou atenção ao passar pelo local foi que o projeto não optou por uma visão caricata de Dom Pedro I. Os autores o justificam tratando com respeito essa ilustre figura de nossa história, responsável por colocar Petrópolis no mapa do mundo, fato comprovado hoje pela quantidade de turistas nacionais e estrangeiros que a cidade recebe. No meu livro recém-lançado, “História da Autoestima Nacional”, tem um capítulo intitulado “Pedro I – Retrato de corpo inteiro”, em que a substância histórica dele é revelada, fugindo aos chavões de má-fé.

    Nessa linha, apliquei a técnica do grande poeta Fernando Pessoa, que se desdobrou em múltiplos “eus”. (Sim, o eu tem plural!). No caso de Pedro I, faço uma abordagem dele como homem, depois como político de visão estratégica e por fim como monarca constitucional. Farei a seguir um resumo destes três “eus” de Dom Pedro I, que nos mostram o que os livros escolares não revelam.

    Vejamos, inicialmente, Dom Pedro I – o homem. Sua história tem o fascínio dos romances dos cavaleiros andantes, daqueles que em sua passagem abrem novos horizontes e criam novos mundos. O nascimento, em 1798, na sala Dom Quixote do Palácio de Queluz, próximo a Lisboa, era já prenúncio de suas múltiplas andanças. Com apenas nove anos, atravessou o Atlântico por sábia decisão de seu pai, o futuro Dom João VI, que deixou Junot (e Napoleão) a ver navios, tornando Portugal inconquistável, mesmo que geograficamente ocupado pelo general francês. Sem a assinatura do Príncipe Regente nenhum tratado teria valor definitivo.

    Como príncipe-herdeiro, ele sabia que, em função desta posição, lhe davam um tratamento diferenciado. Em mais de uma oportunidade, ele pediu que fosse tratado como homem igual aos demais. Foi criado numa corte onde o ranço absolutista ainda falava grosso contra as tendências liberais que se avolumavam. Mas ele pressentiu qual seria o caminho a seguir, e o perseguiu com firmeza vida afora.

    A nomeação de José Bonifácio como tutor de Dom Pedro II, filho que aqui deixou com apenas 5 anos, substituído depois pelo Marquês de Itanhém, este com suas “Instruções aos Preceptores de Dom Pedro II”, atuais ainda hoje para a educação da juventude, indicava suas preocupações em assegurar o triunfo das novas ideias, entre elas a liberdade de imprensa, o respeito ao dinheiro público e a cobrança de responsabilidade às classes dirigentes. Estes dois últimos itens foram esquecidos pela república.

    Em certa época, sob pseudônimo, escreveu um artigo contra a escravidão por entender que ela corrompia não só o escravo como o próprio senhor. Essa consciência antiescravocrata decorreu, em certa medida, de seu pai, que conviveu e valorizou a contribuição africana à formação da cultura brasileira na pessoa, por exemplo, do padre e músico José Maurício. E dos muitos negros e mulatos presentes nos coros das igrejas cujas cerimônias seu pai adorava.

    Vejamos agora Pedro I como estadista, sim, estadista. A historiografia oficial prefere a superfície à substância. Acentua o lado impulsivo e, por vezes, autoritário, como se ele fosse um monte de emoções desconexas. Pouco revela de sua conduta naquelas decisões de cunho histórico, que limitaram o poder real, fundamentais para o avanço do Brasil e Portugal.

    Iza Salles, autora de “O coração do rei” sobre Pedro I, confessou em palestra no Palácio de Cristal, recém-inaugurado, que, quando marxista, foi vítima de um bloqueio mental que a impedia e a seus pares de pensar em um Princípe realmente grande. Nada se diz sobre o fato de ele ter sido um leitor voraz de duas horas por dia, que lhe deixou equipado para os temas liberais e constitucionais na ordem do dia de então. É sempre posto em relevo o fauno incansável que só pensava naquilo.

    Por fim, o Pedro I monarca. Ele foi também muito marcado pelo signo da dualidade. E não vai aqui tentativa de desculpá-lo. Foi, de fato, política, geográfica e até fisicamente dividido, esta proeza após a morte. Na política, nasceu num ambiente absolutista, e fez uma opção constitucional. Nascer numa democracia e ser democrata é fácil. Na geografia, um oceano separava o Brasil de Portugal. Do ponto de vista geopolítico evidenciava as dificuldades, senão a impossibilidade, de manter os dois países unidos. Fisicamente, basta lembrar que seu coração está na cidade do Porto em Portugal, e seus ossos foram trazidos para sua outra pátria, o Brasil.

    Se ele, por vezes, errava no varejo, nunca se equivocou no atacado. Nos grandes momentos de sua vida, soube fazer a opção correta. Foi assim no memorável Dia do Fico, em que não fugiu à responsabilidade de servir ao país que o acolhera em plena adolescência. Assim foi quando proclamou nossa independência, negando-se a reduzir o Brasil à condição de colônia, como queriam as Cortes de Lisboa. Foi assim quando aceitou a limitação do poder real a continuar nas vias tortuosas do absolutismo, aqui e em Portugal. E foi assim, ainda uma vez mais, quando não titubeou em dar combate armado ao absolutismo de seu próprio irmão para colocar sua filha, D. Maria II, no trono português como monarca constitucional.

    Esta reconfiguração bem documentada o torna merecedor do subtítulo que o historiador americano Neill Macauley lhe deu no seu livro intitulado “Dom Pedro I – A luta pela liberdade no Brasil e em Portugal (1798-1834)”.

    Nota (*): Vídeo meu, “Democracia de Grupelho”, gravado em 2018, mas cujo conteúdo continua atual: https://www.youtube.com/watch?v=FhGMvFArd68

    Ou então digitar no Google o título, que vem no ato.

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