Um homem de negócio

Escritório. Essa palavra lhe causava náusea. Ao pronunciá-la, tinha ânsia de vômito. “Balcão de negócio” era uma expressão que abominava. Foram mais de 40 anos trabalhando em uma grande empresa do mundo financeiro. Chegou à direção executiva. Viajou por vários países, fazendo conferências. Era muito requisitado por ser um homem bem-sucedido e com postura ética ilibada.

Casado, pai de três filhos, morador do Leblon. A discrição escondia a timidez que sempre era violada ao exercer funções administrativas. Possuía uma rotina convencional entre a residência e a empresa.

Um dia saiu de casa, como fazia todas as manhãs de domingo, para andar pela praia, só que até hoje não voltou. Não se tem notícia por onde anda, nem se está vivo. Saiu sem documento, sem cartão de crédito e não se tem notícia se levou algum dinheiro.

Na manhã do domingo em que saiu para caminhar, não deixou nada que levasse a deduzir que iria para não voltar. A aflição da esposa começou quando ele não retornou para o almoço. No fim da tarde, começou a ligar para familiares e amigos. No meio da noite, os filhos foram aos hospitais e à delegacia do bairro para saber se havia algum registro: nada.

No dia seguinte, a família decidiu fazer um boletim de ocorrência. Os investigadores levantaram a hipótese de sequestro. Aeroportos, rodoviária, estações do metrô, nenhuma câmera de segurança desses lugares registrou a presença dele. Surgiam boatos, mas a verdade é que não há notícia do seu paradeiro.

A empresa que o empregava não queria que o caso viesse a público, pois poderia prejudicar os negócios. Diziam que ele havia se afastado por motivo de saúde. Assim o caso ficou abafado, sem espaço na mídia.

A Penélope desta história é a mãe dele, uma senhora de 92 anos, que está em um asilo com a memória corroída pelo Alzheimer: todo domingo, após o almoço, é colocada sentada em uma cadeira de rodas, na sala de visita, a esperar pelo filho, de frente para a tv.

Aos domingos, ele sempre a visitava. Chegava, pedia bênção. Ela o abençoava e fazia as mesmas perguntas: “você já almoçou?”, “a comida tava boa?”, “onde tá seu pai?  Não chegou pra almoçar…”

Como ninguém põe rolha na boca do mundo, o sumiço do executivo se espalhou no meio empresarial. Um dia, em São Paulo, no horário de almoço, um alto funcionário de uma companhia de seguros, andando pela calçada em direção a um restaurante, colocou uma esmola no chapéu de um mendigo, que rompeu o silêncio com um “muito obrigado”. Ao ver o rosto dele, percebeu que algo lhe parecia familiar. Mas seguiu procurando na memória o que poderia ligá-lo àquele senhor. Enquanto almoçava, pediu ao garçom que fizesse um prato para viagem. Levou-o com o pretexto de iniciar um diálogo:

— Trouxe pra você…

— Não, obrigado, o dinheiro que você me deu já dá pra pagar o almoço. Leve essa quentinha pra outro que esteja precisando.

Essa recusa o deixou ainda mais curioso. Meteu a mão no bolso, tirou um cartão e disse:

— Se precisar de alguma coisa me procura…

No dia seguinte, o senhor que havia dado a esmola recebeu um envelope com a seguinte frase escrita no verso do cartão: “Trabalhe para ter qualidade de morte, porque a alma não vai à leilão. A vida é um gole”.

Após ler a mensagem, o dono do cartão, fascinado por consultoria, procurou o mendigo, pois achava que se tratasse do executivo que havia sumido no Rio e já pensava em escrever um livro para ganhar dinheiro, falando o óbvio. O título já estava na cabeça: “Como chutar o pau da barraca sem deixar pista”.

— Tivemos sorte!  Ele não o encontro.