• Um caçador de conversa

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  • 12/02/2023 08:00
    Por Ataualpa A. P. Filho

    Tenho plena consciência das minhas limitações no que se refere à ficção. Não tenho habilidade para criar enredo. Para escrever um conto, puxo conversa com parentes, amigos. Leio até bula de remédio para ampliar o vocabulário. Tento, de alguma forma, partir de algum fato para acrescentar o meu ponto. 

    O meu distanciamento da realidade é pequeno. Conto com a boa vontade dos leitores. Muitos me dão um des-conto pelo víeis poético que me acompanha. Busco uma ludicidade pela afinidade com palavras que provêm do processo compulsivo da leitura. Gosto das palavras, mas não as domino. Meus atos falhos são constantes.

    Considero-me um caçador de conversa. Só que, às vezes, não tenho êxito.  Mas isso é como pescaria: jogamos a rede, por sorte, pegamos muitos peixes; outras vezes, as redes vêm vazias. Contudo, não desistimos, continuamos em busca do que nos alimenta…

    Em um fim de tarde de sábado, por atrevimento, diante de uma ducha, de um balanço e uma caixa de área para criança brincar, desafiei-me: puxar conversa com um sobrinho neto no embalo da suave brisa do Hotel das Pedras, na Pedra do Sal, em Parnaíba. Eis o desafio: mantê-lo sentado numa boa prosa por uns dez minutos. 

    Tenho a certeza de que é quase impossível deixar uma criança de cinco anos parada, quieta em um parquinho. Mas precisava de um mote para fazer este texto. Não queria ser pautado pelos jornais, nem pelos assuntos viralizados nas redes sociais, pois estava na ilusão de uma semana de férias. Depois que inventaram “home office”, o trabalho não sai da nossa rotina:

    – Vamos sentar aqui pra conversar?

    – A gente vai falar de quê?…

    – Primeiro, temos que nos apresentar. 

    Eu disse o meu nome completo. Ele riu. Cumprimentou-me e pronunciou o nome dele.

    – Eu tenho 8 irmãos…

    – Eu tenho 2.000 irmãos…

    De início, perdi no número de irmãos. Vale ressaltar que ele é filho único, embora esteja em uma longa campanha para ganhar um irmãozinho. Já algum tempo vem fazendo essa solicitação aos pais.

    – Caramba! São muitos! Você sabe o nome deles! A sua mãe já teve 2.000 filhos?!

    Ele olhou para cima e apontou para o céu: 

    – Tá vendo ali, a Lua!

    Olhei e a vi em quarto crescente, dourando-se para brilhar no meio da noite.

    – Ali mora a mãe de todo mundo. Todos os irmãos nascem lá. De lá, vão pra vários lugares: Belo Horizonte, Teresina, Parnaíba. Depois que nasce, cada um ganha um nome. E cada um vai pra algum lugar, por isso que os irmãos ficam espalhados. Meu nome lá é Inaldo, aqui é que é João. Vou ali perguntar a minha mãe real quantos seguidores eu tenho. Ela tá comigo no Instagram… 

    Ele voltou com o resultado da consulta:

    – Tenho 5.000 seguidores! 

    – São muitos seguidores! Mais do que irmãos! Você sabe o nome de todos os seus seguidores?…

    – Não precisa. Você tem seguidores e pronto! Eles seguem o que você faz. A gente posta pra eles seguirem. Não precisa saber nome…

    Esse diálogo durou só uns três minutos. Não consegui o meu objetivo. Ele já havia entrado debaixo do chuveiro umas três ou quatro vezes. Brincou na areia.  Ficou no balanço por um bom tempo. Eu só queria que ele parasse um pouco, pois estava com areia por todos os poros. E, no meio do nosso diálogo, a mãe o chamou para banhá-lo e trocar a roupa.

    Ele voltou ao parquinho todo arrumado, com o cabelo penteado, a roupa limpa. E, antes que voltasse ao balanço, falei:

    – Vamos brincar de estátua?…

    Ele topou. Ficamos brincando assim por uns cinco minutos. Senti-me vitorioso… 

    O avô dele apareceu e assumiu o posto. Obteve mais êxito: ofereceu o celular para ele brincar.

     Ele ficou com o celular até a hora do jantar. À varanda do hotel, chegou um casal com um menino da mesma faixa etária. Com o celular na mão, o João foi até ele:

    – Vamos brincar?…

    Começaram a usar uma linguagem que não domino. Deduzi que falavam de jogos eletrônicos, pois, ambos, com celular em punho, pareciam muito concentrados. Não consegui saber quem ganhava, nem quem perdia, uma vez que o semblante não mudava, só os dedos se moviam com rapidez.

    A mãe do João o chamou para jantar. Curioso, aproximei-me:

    – E aí! Brincou com o amiguinho! 

    – Sim!

    Quem ganhou?

    – Fomos até a fase cinco…

    – Qual o nome dele?

    – Não perguntei… 

    Moral da história: Preciso adaptar-me aos novos tempos. 

    O João me deu algumas aulas gratuitamente. O meu amigo Sylvio não teve a mesma sorte. O netinho dele cobra seis reais pelas aulas teóricas. Ele joga e o avô fica assistindo e ouvindo as explicações dos movimentos. As aulas práticas serão mais caras.  

    A nossa proposta agora é criar um grupo para avôs e avós que precisam familiarizar-se com essa nova linguagem da criançada de hoje.

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