• Um Benzinho para não se perder

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  • 01/09/2018 10:03

    Escrevo sob o encantamento do filme “Benzinho”. Um afago cinematográfico. Gustavo Pizzi trata seus temas com carinho revelador de quem bem conhece e ama essa gente simples. Talvez em mãos de outro diretor o roteiro restasse melodramático, apelativo até. Mas a história da família convulsionada pela notícia do filho adolescente que sairá de Petrópolis para jogar handebol na Alemanha, e que se mostra em toda sua complexidade e humor, ganhou dedos de ourives para a tessitura de cenas capazes de inspirar, comover e fazer refletir.

    Estamos nesta cidade, a quem a Alemanha deu filhos, e que esse filho para si levará. A produção optou sabiamente por não usar molde turístico. Mas Petrópolis está lá. As ruas menos favorecidas, mergulhadas no ruço serrano. O sonho pequeno burguês da casa na praia. As bandas gloriosas, com a matriarca Banda Wolney Aguiar. E o pano de fundo da crise profunda que vive o país – e que vive Petrópolis! Vê-se a derrocada da indústria têxtil, arriando portas em favor do importado chinês. A pequena empresa em falência, bem como a informalidade dos comércios de sobrevivência: brechós, sacoleiras, fornecedores de quentinhas. Não falta nem a crítica velada ao poder público que muito promete e nada realiza, como a reabertura da pista de esqui, sonhada por um dos personagens.

    O senso de família clássica, onde todos cuidam de cada um, e cada um se preocupa com todos, nesses tempos de desmoronamento dessa instituição basilar, é um esteio central da estrutura do filme. A nos lembrar como família é coisa divina. O elenco é uma orquestra afinada. O pai exibe uma ternura angustiada na competência do excelente Otávio Muller. A sempre marcante Adriana Esteves faz tocante participação. O time de filhos entrega interpretação de tal naturalidade que parece nos meter num documentário. Mas todos os grandes louros devem ir para Karine Telles, co-roteirista do filme, ex-esposa do diretor e mãe dos gêmeos que interpretam dois de seus filhos. A premiada atriz, vivendo a mãe dessa linda família petropolitana, brilha em expressivos closes, com desempenho desde já memorável para o cinema brasileiro. 

    Não há como não sair admirando essa Irene. Fosse teatro, e essa mãe coragem poderia muito bem romper a boca de cena sob holofotes dourados, exibindo resiliência na condução da carroça onde levaria seu mundo. Seu mundo de batalhas, com suas lágrimas e pequenas alegrias. Nele cabe o improviso que vence portas trancadas, desmoronamentos e coisas que pela casa explodem em defeitos. Cabe a imensa exaustão das mulheres multitarefas. Seus adeuses, dúvidas, carências, sonhos e pesadelos de gente humilde. Mas cabem também a decência, a fraternidade, o riso, o amor – que é um sentido prático da coragem de viver. E as fartas asas maternas que se estendem sobre o ninho, ternura que afaga, coração que parece uma bússola.

    Tudo isso se expõe em fotogramas de plasticidade e poesia, como na cena aérea que flagra um quadro resumo. Irene, cheia de dúvidas e temores, deitada na boia de pneu de caminhão, tem o filho mais velho cochilando em seu colo. O filho partirá, ela sofre por isso, mas ali, apenas eterniza o momento, se deixa flutuar sobre a água, sobre os dramas, sobre a vida. E flutuando é que entra em nossos corações.

    Por tudo isso, “Benzinho”, de Gustavo Pizzi, precisa ser visto. Por petropolitanos, por amantes do bom cinema e da grande arte, e pelos que amam família.

     denilsoncdearaujo.blogspot.com

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