• Um basta às décadas perdidas: reindustrializar é preciso

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  • 27/05/2023 08:00
    Por Gastão Reis

     Antes, um pequeno prólogo. A América Latina passou por um período de descolonização no início do século XIX. A maioria dos países se tornou independente de suas metrópoles. A ocupação do trono espanhol por um dos irmãos de Napoleão apressou a ruptura na medida em que a Espanha deixou de ter controle sobre seu império. As lideranças locais assumiram o controle na luta pela independência. O protagonismo militar se fez presente, desde o início, com golpes e intervenções militares indutores de graves sequelas e distorções político-institucionais posteriores.

    O caso brasileiro foi diferente pela presença, na mesma época, de Dom João VI e seu filho, Dom Pedro I, no Brasil. Houve também, diferentemente do que nos informa a historiografia tradicional, lutas e batalhas para a expulsão dos portugueses, como no caso das colônias espanholas, mas sem a perda de um fio condutor que nos foi deixado pelos 13 anos em que Dom João VI aqui viveu, e ainda pela visão de Dom Pedro I, que nos legou a Carta de 1824 com o poder moderador. Este dispunha de instrumentos de controle de andar de cima, que perdemos, e impediu o protagonismo militar como ator político. 

    Adotamos o mesmo princípio de Thomas Jefferson, que, em 1801, em seu discurso de posse do primeiro mandato, colocou em letra de forma a premissa do firme controle civil sobre o poder militar, tradição que os EUA mantêm até hoje. Tinha suficiente conhecimento de História para saber do grave perigo que isso representava desde a Antiguidade. 

    Os políticos do Império foram na mesma linha a ponto de as pastas militares serem normalmente ocupadas por civis. Tinham verdadeiro horror de ver instaurados aqui os desmandos da presença militar na política de nossos vizinhos de fala espanhola,logo após sua independência. Até 1889, mantivemos o rumo certo tanto no plano político como no econômico. Na economia, temos agora o respaldado das novas pesquisas, que desmontam a historiografia tradicional no que tange à dita estagnação secular da economia do Império. Havia rumo certo na política e na economia, que refletia nossa qualidade político-institucional, requisito básico do crescimento sustentado.

    A melhor ilustração do que seja a qualidade das instituições de um país são os casos das duas Coreias e das duas Alemanhas. Nelas, temos o mesmo povo, a mesma língua, a mesma cultura, a mesma raça, a única diferença são as instituições, ou seja, o aparato político e econômico. Os alemães ocidentais, logo após a reunificação, referiam-se a seus irmãos da Alemanha Oriental como um bando de preguiçosos ineficientes. Travado o setor privado, todos passaram a ser funcionários públicos. E ficaram tolhidos em sua iniciativa individual. Quanto mais obedientes ao bu(r)rocrata-chefe, maior era a chance de subir na hierarquia do partido. Se pensou no Brasil atual, caro leitor, acertou na mosca. 

          A Coreia do Norte comparada à do Sul torna cristalino como as instituições comunistas castram um povo que em tudo o mais é semelhante. Enquanto a do Sul atingiu renda per capita de Primeiro Mundo no espaço de cerca de uma geração, com empresas de porte internacional e tecnologia de ponta, a do Norte tem tido dificuldade de alimentar seu próprio povo. Quase aceitou receber alimentos dos EUA em troca de interromper seu delírio nuclear.

    O Brasil de hoje é vítima de um aparato político-institucional que sufoca o crescimento de sua economia. Somos um povo a serviço de uma grande e pesada bur(r)ocracia. Assim como se descobriu na antiga União Soviética e na China que a luta de classes era o motor enguiçado da História, cabe a nós também trocar o nosso por outro para avançar de fato, livrando a Nação do astronômico custo Brasil. Se tivermos a capacidade de encolher o governo, com base numa reforma político-institucional em profundidade, com a adoção do parlamentarismo com voto distrital puro e recall, e ainda simplificar os entraves legais, tributários, previdenciários e burocráticos para resgatar o tempo perdido, aí sim, deixaremos de colecionar décadas perdidas.

    Esses dois exemplos nos servem bastante bem. O crescimento da população de idosos nos alerta para o fato de ser imperioso ampliar a idade mínima para a aposentadoria. E ainda mudar o critério de reajustes dos aposentados na faixa de um salário-mínimo: manter seu poder aquisitivo, mas sem conceder aumentos reais, como ocorreu em período decenal recente, em que dobrou em termos reais. A reativação do investimento público, hoje em pífios 2% do PIB, passa por esses dois itens em volume significativo.

    Quanto a concentrar recursos nas áreas mais rentáveis, o caminho inescapável é a reindustrialização do País. Não só é possível como é condição sine qua non para a retomada do crescimento em bases sustentáveis, cujos fundamentos são a inovação e a elevação substancial da produtividade. Exatamente o que nos faltou nos últimos 40 anos. 

              Essa é a visão do economista coreano Ha Joon Chang, Ph.D. por Cambridge, onde leciona Economia, em sua instigante entrevista ao jornal Valor, de 29/01/2016. Ele vai fundo: não acredita em mundo pós-industrial, pois a indústria continua a ser a “maior fonte de novas tecnologias”. Com razão, ele nos alerta que “países com alta produtividade em commodities e serviços lançam mão das tecnologias desenvolvidas na indústria para elevar a produtividade em outros setores”. Caso do nosso dinâmico agronegócio.

    Apostar nossas fichas nas ações indispensáveis de combate à corrupção é condição necessária, mas não suficiente, para ir adiante. É mister restaurar o clima de confiança favorável ao investimento e à rentabilidade, passaportes que são para a inovação e a elevação da produtividade. Mais: entender o lucro como fonte de recursos para implementar esses dois requisitos vitais para recuperar o tempo perdido. Em suma, reindustrializar não é a bandeira de um setor, mas do País como um todo para nos livrar de um futuro de décadas a serem perdidas. 

    Assista: “Economia Esquizofrênica

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