• Um banco de lembranças

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  • 24/07/2017 12:50

    Gostaria de ter o presente repleto de passados para, quando tiver a oportunidade de ficar em uma cadeira de balanço e ver o tempo passar, lembrar-me das pessoas e dos belos momentos vividos. “Louvando o que bem merece/ deixo o que é ruim de lado”, já afirmara Torquato Neto. 

     “Viver é perigoso”, não há dúvida. Mas não podemos perder a ternura. A dor vem sem avisar. Nem tudo é “divino maravilhoso”, por isso precisamos descomplicar a vida. Torná-la mais simples. Os “sérios problemas” continuarão tirando o nosso sono, mas não podemos deixar que eles roubem os nossos sonhos. A pior derrota é a que acontece dentro de nós. Por isso que a esperança não dissocia da fé. 

    Há um Criador que sabe o que fez e sabe o que faz. Para Ele, tudo é presente. Nós é que temos futuro e passado. Quando me vejo caindo em tristeza, uso as palavras de Fernando Pessoa: “Senhor, livra-me de mim”. 

    Caminhar de mãos dadas desde a infância à velhice, não somente por questão de segurança, mas também por amor: o bem-querer é da natureza humana, faz bem à saúde.  O ódio faz mal, envenena até a alma. Foi pela Poesia que aprendi a valorizar os mínimos gestos de carinho. Um “bom dia” com gentileza difere das saudações mecânicas. Por isso, quando passo por aquele banco que fica em frente à farmácia localizada na esquina da Rua do Imperador com a Marechal Deodoro, sinto falta dos cumprimentos de dois senhores aposentados que nas manhãs de sol ficavam ali, olhando o movimento do horário comercial.

    O senhor Santoro partiu primeiro. Eu o conheci na banca de jornal que fica na Praça Paulo Carneiro. Aos domingos, sempre tínhamos alguns minutos de prosa. Depois o tempo, que corrói as nossas forças, foi minando as resistências físicas. Ele deixou de trabalhar na banca e os nossos encontros passaram a ser mais frequentes no banco da esquina citada. A ação do tempo é contínua. Para ele andar do prédio em que morava até a esquina tornou-se difícil. Por isso colocou uma cadeira ao lado da porta do edifício e continuou a cumprimentar as pessoas. Sabendo das limitações dele, passei a valorizar ainda mais as suas saudações. 

    Na movimentada Rua do Imperador, ele sentava na porta do prédio como se estivesse em uma pacata cidade do interior. Quando eu o via, lembrava da Teresina da minha infância.

    O outro senhor, que também sentava naquele banco, partiu na sexta-feira, 14/07. Acho que os dois estão lá no céu proseando sobre as loucuras deste país. Com esse mineiro de Cataguases, tive a oportunidade de aprender muito sobre a natureza humana. O Alzheimer tirou-lhe a noção de tempo, espaço e a memória recente, mas não apagou a amizade que construímos. Quando fui visitá-lo no leito do CTI, ao avistar-me, sorriu e estendeu a mão para cumprimentar-me, mesmo com fios espetados no braço. No dia 20/08, completaria 91 anos. 

    O senhor Santoro tinha bancas de jornais; o senhor Dionysio era um dos seus fregueses. Este, aos 90 anos, lia, sem óculos, sempre com o senso crítico aguçado. Houve um tempo que o cardiologista pediu que diminuísse as leituras e parasse de ver os telejornais para não se aborrecer. Não foi preciso, o Alzheimer cuidou disso. Mergulhou em outra realidade: evidenciou-se a memória afetiva, chamava pelas pessoas com quem vivera na infância. 

    – Acho que ele desejou partir para viver ao lado da sua amada. Para ele, a vida aqui parecia sem graça depois que ela partiu. Viveram juntos 64 anos.

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