Trump contra Trump
Sem dúvida que a figura topetuda do presidente eleito dos EUA, Donald Trump, tomou conta da mídia nacional e internacional. Suas propostas realmente assustam: construir um muro entre os EUA e o México; acabar com o Obamacare, que beneficiou milhões de americanos na área da saúde; barreiras alfandegárias para proteger o mercado americano e gerar empregos no País; revisão e até cancelamento de tratados comerciais, do clima e de defesa inter-nacionais que teriam sido prejudiciais aos interesses americanos; adoção de políticas anti-imigração, esquecendo seus próprios antepassados imigrantes; envolvimento e intensificação das aventuras bélicas dos EUA nas zonas de conflito armado no mundo. E ainda seu evidente lado grosseiro, machista e racista. Para o mundo, mais parece a reedição do quadro Guernica, de Picasso, que retrata toda a carga de sofrimento provocada pela Guerra Civil espanhola.
Mas será que o diabo será tão feio quanto a mídia, aqui e lá fora, vem pintando? Ou será que ele jogou para a plateia, capitalizando a insatisfação da classe média branca americana sem curso superior? Em entrevista dada pouco antes do ano 2000, ele disse que se algum dia se candidatasse a presidente, ele o faria pelo Partido Republicano. Os eleitores republicanos seriam ingênuos, acreditando facilmente no que lhes é dito. Se o leitor, percebeu aqui sua predisposição em mentir e enganar para vencer a eleição, acertou na mosca.
Na verdade, logo após a confirmação de sua eleição, começaram a surgir indícios de que campanha é campanha e governo é coisa muito diferente. Na primeira reunião que manteve com Obama, ele se dispôs, não a desmontar, mas a rever o Obamacare, levando em conta os principais pontos defendidos por Obama naquele encontro. Quanto à OTAN, Organização do Tratado do Atlântico Norte, que prevê defesa mútua entre seus membros contra ataques externos (leia-se Rússia & (má)Cia), Obama, em reunião recente, apressou-se em confirmar que Trump manteria os EUA na organização a despeito de seus elogios a Putin, o ex-chefe da KGB, a polícia secreta da falecida URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. O muro entre o México e os EUA, pelas últimas informações, está com cara de que vai faltar cimento, areia, água e as vantagens convincentes para levar a obra a cabo. E assim por diante.
Mas existe uma pergunta que não quer calar: Trump investiria tempo e dinheiro em iniciativas contra interesses estratégicos dos EUA e de seu próprio bolso? Esta é uma questão crítica levando em conta que ele é empresário. Não pertence àquela variedade de políticos latino-americanos com vocação para levar o próprio país para o buraco. Recentemente, um analista econômico alertou para o fato de que fechar o mercado americano para produtos asiáticos pode ser um tiro no pé. Indo diretamente ao ponto: o consumidor americano acabaria pagando mais por produtos cujos preços são menores e a qualidade superior aos dos fabricados dentro das fronteiras americanas. Os ganhos de renda com os empregos assim criados provavelmente não compensariam o gasto adicional para comprar produtos mais caros e piores. Esta é uma questão tratada por Adam Smith, pai da moderna teoria (e prática) econômica desde 1776 quando publicou seu clássico A Riqueza das Nações.
O comércio internacional, a longo prazo, sempre se mostrou benéfico às partes envolvidas. Países podem criar suas próprias vantagens comparativas para evitar situações que lhes são permanentemente prejudiciais. Mas existem limites: os EUA não têm clima nem solo para produzir café como nós, sendo melhor importá-lo. O Brasil, por sua vez, implantou uma indústria aeronáutica que não tinha, e foi muito bem sucedido em criar vantagem comparativa e exportar aviões para o mundo todo. Sem os imigrantes, por exemplo, haverá atividades econômicas nos EUA que sofrerão com a falta de mão-de-obra. Afinal, a parte mais sensível do corpo é o bolso. E Trump, pelo jeito, não tem vocação para ser seu próprio algoz e de seus concidadãos. O tempo dirá.