Tributo a José Cláudio reúne desde retratos a pinturas da Amazônia
Ao abrir sua galeria em São Paulo há 33 anos, a marchande Nara Roesler percebeu, atônita, que o nome do pintor pernambucano (de Olinda) José Cláudio, hoje com 90 anos, era pouco conhecido do público e colecionadores de São Paulo. A despeito de ter sido escolhido pelo zoólogo paulistano Paulo Vanzolini (1924-2013) para acompanhar uma de suas exposições científicas pela Amazônia, em 1975, os paulistas não se deram conta da importância do trabalho de José Cláudio – e, em 1975, o artista já havia participado de quatro bienais (1957, 1959, 1961 e 1963). Há, porém, uma maneira de expiar esse pecado: rever a obra do pintor, que ganha uma retrospectiva, José Cláudio: Uma Trajetória, a partir deste sábado, 8, na Galeria Nara Roesler.
Para essa missão foi escolhida como curadora também uma veterana da geração de José Cláudio, a crítica Aracy Amaral, que foi atrás de obras raras do artista em mãos de particulares e, no caso da obra amazônica, do governo paulista. Mais de 30 pinturas da mostra entre as 100 realizadas pelo artista a bordo do barco-laboratório Garbe, no Rio Madeira, em 1975, pertencem ao acervo artístico do Palácio do Governo do Estado. A série reúne desde paisagens à fauna amazônica, passando pelas casas e tipos ribeirinhos. “Foi a grande virada da minha vida”, reflete o pintor.
VISIONÁRIO
Além da importância científica, os desenhos e as telas dessa viagem amazônica, curiosamente, têm ressonância no trabalho de pintores contemporâneos como Lucas Arruda e Rodrigo Andrade – não intencional, mas acidental, o que talvez seja uma surpresa para ambos. Da mesma forma que o erudito pintor pernambucano, ex-assistente de Di Cavalcanti, assimilou as lições de Almeida Júnior e do próprio mestre carioca, com quem trabalhou em São Paulo, os jovens pintores contemporâneos (mesmo sem saber) devem muito a José Cláudio, em especial as paisagens expressionistas a “plein air” de Andrade e as citacionistas de Lucas Arruda.
SENSUAL
Aracy Amaral, aliás, trouxe para a mostra do pernambucano suas releituras das telas mais conhecidas de Almeida Júnior (1850-1899), pioneiro realista que primeiro tentou captar a luz tropical e os tipos brasileiros, reforçando no Brasil o legado de Courbet. Segundo a curadora, José Cláudio se identificou com as pinturas do acadêmico e transformou o que era apenas sugerido por ele numa explícita explosão sensual. Escancarou mesmo. Há 40 anos, a crítica Vera d’Horta, cujo texto é reproduzido no catálogo da mostra, observou que José Cláudio, em 1980, trocou o recato da modelo de Almeida Júnior (em O Descanso da Modelo, 1882) por uma despudorada senhorita com o sexo à mostra. Não foi a única a se expor, evoque-se. Há muitas mulheres voluptuosas em suas telas.
Dito assim, muita gente vai se surpreender com o outro lado de José Cláudio, o do desenhista rigoroso com passagem pela abstração, em 1968. Aracy Amaral chama a atenção para uma série feita com carimbos desse mesmo ano, composições poéticas abstratas que precedem os datiloscritos de Mira Schendel dos anos 1970 (seis desses trabalhos pertencem ao acervo do Museu de Arte Contemporânea da USP). Foi justamente nessa época que Renato Magalhães Gouvêa, primeiro promotor de seu trabalho, deu o ponto de partida para Nara Roesler assumir a representação do artista ainda no Recife.
NATUREZA
Nara e José Cláudio são amigos de longa data. Há até um retrato da galerista na mostra, feito por ele em 1979. A fidelidade do pintor aos amigos é tão marcante que ele realizou uma série de pássaros para pagar o hospital onde foi internado o escritor, crítico literário e dramaturgo pernambucano Hermilo Borba Filho (1917-1976), que fundou com Suassuna o Teatro Popular do Nordeste. Uma tela gigantesca exposta na vitrine da galeria exemplifica essa relação harmoniosa do artista com a natureza. “Ele é um artista múltiplo, que tanto pode produzir paisagens como cenas carnavalescas com máscaras à maneira de Ensor ou retratar os tipos populares de um mercado recifense”, conclui a curadora.
José Cláudio: Uma Trajetória
Galeria Nara Roesler.
Av. Europa, 655, tel. 2039-5454. 2ª/6ª, 10h/19h. Sáb., 11h/15h.
Abertura sáb. (8), às 11h.
Entrada gratuita. Até 5/11.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.