• Três meses da tragédia: força-tarefa do MPRJ quer mitigar riscos e zerar mortes por desastres em Petrópolis

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  • 15/05/2022 09:45
    Por João Vitor Brum

    O pior desastre natural da história da Cidade Imperial completa três meses neste domingo, em meio a muito trabalho que ainda precisa ser feito. Durante o período, a participação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) foi constante em todas as áreas de atendimento à população. Vistorias foram realizadas em abrigos e pontos de apoio, zelando pela utilização das áreas de proteção e a tem cobrado constantemente dos governos estadual e municipal a responsabilidade por obras emergenciais. Três meses após a pior tragédia da história da cidade, a titular da 1ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Petrópolis, Zilda Januzzi Beck, conversou com a Tribuna de Petrópolis e elencou as principais ações da promotoria no período. 

    A promotora destaca que o principal foco do MP é garantir que vidas parem de ser perdidas na cidade em desastres naturais, com trabalhos sérios de prevenção e contenção dos riscos já existentes.

    “O que a gente quer é que não aconteçam mais mortes, e também diminuir o número de pessoas afetadas quando há alguma ocorrência séria. O impacto dessas chuvas foi gigante em toda a cidade. Por exemplo, o comércio: as pessoas perderam tudo duas vezes, vimos lojas fechando a porta após décadas de tradição, comerciantes trocando de ponto porque não têm mais condição. Nosso papel é promover melhorias para que isso pare de acontecer. A ameaça sempre vai existir, a chuva sempre vai existir, mas precisamos que os impactos não sejam tão severos”, destacou a promotora Zilda Beck.

    A titular ressalta, ainda, que a última saída do Ministério Público é entrar com ações civis públicas, mas que sempre tenta o caminho do diálogo antes disso, para benefício da população.

    “Tem coisas que tentamos, brigamos, e nada, e aí precisamos entrar com ação, porque não podemos esperar de braços cruzados. Mesmo que o resultado não venha agora, essas ações vão ser julgadas e vão ter que fazer. Talvez não seja para essa geração, mas vamos deixar algo para o futuro. Queremos colher logo, mas nem sempre é possível”, comentou.

    Quanto à falta de recursos, apontada na maioria das vezes como motivo para a demora (ou a falta) em obras públicas, a promotora concorda que há sim uma escassez, mas que pode ser resolvida com gestão.

    “Reconhecemos que há uma dificuldade de recursos, mas essa desculpa não pode ser mais aceita hoje. O Estado e o município vivem um momento melhor do que o de alguns anos atrás. É preciso, também, que o acesso aos recursos federais sejam buscados, e que, uma vez que eles sejam liberados, sejam usados de forma eficiente. Temos que implementar uma cultura de fazer, de iniciar obras e terminá-las”, concluiu a titular.

    Caetitu

    Um dos locais que foi centro dos debates após a tragédia foi o Caetitu, especificamente o terreno comprado pela Prefeitura em 2013 para construção de unidades habitacionais. Na semana seguinte à chuva de fevereiro, o governo municipal queria destinar detritos para o local, mas teve que encontrar um novo espaço após intervenção do Ministério Público e de moradores da localidade.

    Logo após a Prefeitura desistir de usar o espaço para deixar detritos da tragédia, o município anunciou a construção de um conjunto habitacional com mais de 700 casas no local, o que também não foi bem visto pelo MP, pelos moradores e por instituições da cidade.

    Em audiência pública realizada na Câmara dos Vereadores, a construção das casas foi debatida, mas nenhum número foi definido. O Estado propôs 240 unidades, o município pelo menos 300 e o grupo que defende os moradores apresentou proposta de 54 unidades, adequando a unidade à realidade da localidade. 

    De 100 mil m² do terreno, apenas 11 mil m² seriam próprios para construções, segundo estudos apresentados por moradores da localidade. Para o MP, o primeiro passo antes de pensar em qualquer empreendimento é estudar a região e as possibilidades dentro dela.

    “Faltam estudos. Não se fez um estudo de impactos negativos e eventualmente positivos que isso geraria na localidade. Estamos falando de um terreno com diversas restrições ambientais. Ali tem uma mina, uma área de amortecimento de água, mata atlântica que deve ser preservada. Se for eventualmente criado um projeto habitacional, que não impacte ou impacte o mínimo possível o ambiente, considerando as restrições. Esse não pode ser um empreendimento que agrave os alagamentos no Prado, isso que o Ministério Público está cobrando”, explicou Zilda Beck. 

    Para a promotora do MP, é preciso pensar minuciosamente em todo o impacto que este tipo de construção pode causar à uma localidade, muito além das consequências ambientais.

    “O bairro tem uma vocação para agricultura familiar, o que gerou muita discussão, até mesmo por provocação dos próprios moradores da localidade. Hoje, moram, em média, 600 pessoas no Caetitu, de acordo com os moradores. Como Petrópolis não tem abairramento, não temos dados do IBGE, então a estatística que podemos confiar é a de quem mora lá. Levando 250 famílias para a localidade (em média três pessoas por família), criamos um grande crescimento na densidade demográfica sem planejamento urbanístico e sem estrutura urbana”, explicou a promotora.

    Possíveis ocupações irregulares no entorno, a partir da criação de um conjunto na região, também têm sido motivo de preocupação para o MP. 

    “Nosso receio também é que, quando se cria uma unidade habitacional, outras pessoas começam a se deslocar para a região – parentes, amigos -, e depois a prefeitura, historicamente, não dá conta da fiscalização para evitar as ocupações. A Prefeitura diz que, sem construir, o local pode sofrer com ocupações irregulares, mas se é um terreno público, deveria ter fiscalização para que isso não ocorresse. Se é área do município, ele tem que garantir que não seja invadido”, concluiu a titular a 1ª da Promotoria.

    Demolições administrativas 

    Outro assunto-chave após as chuvas foram as demolições administrativas, consideradas essenciais para evitar que famílias se instalem em áreas de risco. Mesmo com muitas discussões neste sentido, ainda há pouco interesse do poder público na realização destes trabalhos. Além disso, a falta de profissionais também afeta diretamente o processo.

    “Petrópolis tem, hoje, três fiscais de obras. Talvez isso não seja um fator determinante, mas é algo a ser considerado. A fiscalização deve andar junto do planejamento urbano. Sem uma fiscalização eficiente, a expansão da ocupação acontece em locais já identificados como áreas de risco, e o município precisa ter controle disso para evitar mortes como estamos tendo”, explicou Zilda Beck.

    Segundo a promotora, a fiscalização de obras na cidade, atualmente, para no embargo das obras, mas nada é feito para impedir que as construções avancem após a sanção.

    “O que acontece hoje, efetivamente, é que o fiscal vai até o local, embarga a obra e, algumas vezes, aplica muita – que quase nunca é paga. O embargo, por sua vez, é constantemente desrespeitado. Se a construção já é irregular e está em uma área de risco, tem que começar a fazer a demolição administrativa, porque sem isso não vamos conter a ocupação irregular”, garantiu a promotora, dizendo que há, ainda, muita resistência do poder público ao executar as ações.

    “Existe uma resistência da Prefeitura em executar a demolição, e aí a fala frequente do poder público é que não promovem as demolições administrativas porque não tem previsão legal. Por isso, propusemos à Câmara que, na revisão do Código de Obras, eles coloquem expressamente um artigo prevendo essa demolição. Mas é bom destacar que, desde 2013, a lei que criou a Secretaria de Defesa Civil tem um artigo que autoriza o órgão a fazer demolições em áreas de risco, mas a lei não foi regulamentada. Vemos que não existe um interesse porque a gente entende que é uma medida que não é popular”, considerou Zilda, lembrando que a saída para a moradia dessas famílias não é deixá-las vivendo em risco.

    “Se for o caso de uma pessoa em extrema vulnerabilidade social, aí a questão é discutir a inserção em um programa, mas não se pode deixar construir numa área de risco. Isso que tentamos fazer com a Prefeitura. Depois que a pessoa mora, é muito mais difícil remover a moradia”, completou a promotora.

    Macrodrenagem

    Outra pauta de extrema importância é a macrodrenagem dos rios Piabanha, Quitandinha e Palatino, para evitar que as enchentes continuem castigando fortemente a cidade. Agora, segundo o MP, foi acordado que o Inea irá fazer os trabalhos nos três rios e um Comitê local foi criado para apoiar o trabalho com sugestões de melhorias que sejam benéficas para o meio ambiente e para a população.

    “A macrodrenagem é uma discussão antiga. Em 2013, quando houve uma outra tragédia, questionamos isso ao poder público. Vários órgãos dizem monitorar o Rio Quitandinha, mas os prejuízos só se acumulam. Na época, cobramos a macrodrenagem dos rios Quitandinha e Piabanha, pois, naquele momento, acreditávamos que o Palatino não precisaria exatamente por ter o Túnel Extravasor, mas vimos que isso precisaria mudar. Recentemente, após a tragédia deste ano, definimos em audiência que o Inea ficaria responsável pela macrodrenagem dos três rios, enquanto o Estado deveria recompor o Túnel Extravasor”, explicou Zilda, destacando, ainda, que o acordo feito entre os órgãos pode garantir uma solução mais rápida.

    “Não é questão de achar culpados, mas historicamente as obras começam e não terminam.  Nesse caso (do túnel e da macrodrenagem), se não terminar, já podemos executar de uma vez, porque já teve um acordo homologado, então pulamos uma fase do processo e ganhamos tempo. É isso que queremos, ganhar tempo e encontrar soluções”, garantiu a promotora.

    Uma Comissão Técnica Comunitária, que conta com a participação do Ministério Público, Comitê Piabanha, professores universitários e associações de moradores, foi criada para apoiar o Inea nos trabalhos. 

    “O grupo quer conhecer o projeto e propor melhorias. A intenção não é, de nenhuma forma, interferir, mas sim contribuir para fazer melhor. Temos a ciência ao nosso lado, e isso é essencial neste processo”, explicou. 

    Umas das preocupações do Grupo – e também do MP-, é que uma das principais soluções apresentadas para as cheias do Rio Quitandinha seria a construção de um novo túnel extravasor, que começaria na Confluência dos rios Quitandinha e Palatino, na Praça Dom Pedro, e seguiria pela Rua 13 de Maio até a água chegar no Rio Piabanha. Segundo a titular da Promotoria, isso não seria uma solução, e sim uma transferência do problema. 

    “O que vai acontecer, caso isso seja concretizado, é que vamos ter ainda mais alagamentos nas regiões de Corrêas e Nogueira. Precisamos construir um sistema de macrodrenagem que não transfira o problema, mas solucione. A região de Corrêas já enche, e agora, com novos prédios, a impermeabilização aumentou, então a tendência é que isso piore. Não podemos aumentar ainda mais o problema”, conclui Zilda.

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