Tragédia no sistema penitenciário
A crise é nacional e alcança de São Paulo ao Amazonas. A brutalidade dá o tom e a selvageria chega a níveis inimagináveis na guerra entre facções criminosas. Em causa a disputa pelo domínio do tráfico de drogas e de armas, que entram pelas fronteiras extensas e desguarnecidas do país.
Na tríplice fronteira – Brasil, Colômbia e Peru, a oeste do Amazonas, fica difícil ou impossível combater com eficácia o contrabando diante dos imensos caminhos naturais na região amazônica. A situação de penúria e sem perspectivas das populações locais propiciam mão de obra de baixíssimo custo, utilizada pelo narcotráfico, que abastece o mercado nacional, em níveis de consumo crescente nas principais capitais do país.
Com o sistema penitenciário apodrecido, um quadro que se agrava pela ação corrupta de governantes e outros agentes públicos, tem-se o ambiente ideal que permite o domínio dos presídios pelas organizações criminosas. A diferença de custos mensais de cada preso entre o Amazonas e os demais estados da Federação, algo em torno de 80%, dá a dimensão dos esquemas de assalto ao erário. Milhões e milhões de reais escoam pelo ralo e deixam de ser aplicados em projetos de ampliação, humanização e melhoria do sistema.
A privatização dos presídios, inaugurada no Amazonas em 2003, revelou-se um desastre. Passou por várias empresas, tudo indica que em torno do mesmo grupo, até chegar à Umanizzare, sob cuja responsabilidade deu-se o massacre de 60 presos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim. O jornal O Globo, edição de domingo, identificou os reais proprietários da empresa. A Umanizzare – que nome, hein! – recebeu dos cofres públicos quase R$ 430 milhões, sem que tivesse sequer obrigação de cuidar da segurança, vigilância armada e disciplina no presídio. Ficou apenas com a c ereja do bolo, a melhor parte, o lado mais rentável – alimentação, assistência jurídica, médica e odontológica, organização de práticas esportivas e limpeza, mesmo assim, sem que se tenha informações de que esses serviços foram efetivamente prestados. O que se sabe é que os preços cobrados são escandalosos, ensejando um lucro fantástico, tendo em vista a qualidade na prestação de serviços dentro do sistema, sobremodo em relação à dieta alimentar oferecida aos detentos, do tipo feijão com arroz.
Não se tem notícia sobre os critérios de fixação do valor mensal de R$ 4.500,00 por cada preso, uma vez que com essa importância uma família de classe média baixa pode viver em boas condições habitacionais e alimentares. Os fatos agridem o entendimento comum e exigem explicações urgentes e detalhadas do poder público. Por exemplo, dentre tantas outras indagações, como, no Amazonas, uma licitação de muitos milhões de reais teve como único participante e vencedor do certame a empresa Umanizzare?
Sem dúvida que importante agora é superar a crise, que continua crepitando, sempre próxima de nova explosão. No entanto, é preciso ir além, numa investigação profunda sobre todas as causas da tragédia, incluindo-se o envolvimento de agentes públicos nos grandes negócios do poder. Também não basta construir novos presídios, se o Estado não for capaz de enfrentar a questão na origem e em todos as suas latitudes.
Darcy Ribeiro, idealizador dos CIEPs, querido e sempre lembrado amigo, dizia que “se os governadores não construírem escolas, em 20 anos faltará dinheiro para construir presídios”. Expressão profética, hoje a mais dolorosa realidade.
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