• Time espanhol contrata jogador com bitcoins; brasileiros podem usar criptomoedas

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  • 04/02/2021 13:34
    Por Luís Filipe Santos, especial para a AE / Estadão

    A contratação do atacante David Barral pelo Inter de Madrid FC, equipe da terceira divisão espanhola (chamada de Segunda B), não foi das mais bombásticas do futebol. Ainda assim, trouxe um componente de grande novidade: foi a primeira transferência no futebol profissional realizada completamente com criptomoedas – neste caso, o bitcoin.

    A situação foi possibilitada pelo Inter de Madrid ser patrocinado por uma corretora de criptomoedas, a Criptan. Outro ponto interessante é que o clube foi fundado, originalmente, como uma equipe de eSports, a Dux Gaming, e posteriormente formou um time profissional de futebol. É a única equipe da terceira divisão espanhola fundada no século XXI.

    Jorge Soriano, CEO da Criptan, explica a participação da empresa na negociação. “A Criptan é patrocinadora da DUX e o patrocínio é pago em criptomoedas. Uma das primeiras ações a serem realizadas com esse patrocínio foi a contratação de David Barral. O token do jogador é pago em euros e a DUX é quem muda as criptomoedas para euros através do aplicativo Criptan para pagar ao jogador”, disse.

    Bruno Maia, especialista em inovação na indústria do esporte e sócio da agência 14 de conteúdo, acredita que essa é apenas a primeira de muitas que virão. “Mais do que prenúncio, é uma constatação do tempo presente. Isso não quer dizer necessariamente que o futuro de transações seja através de criptomoedas, mas é mais um elemento que atesta a relevância deste tipo de ativos na sociedade contemporânea. Em janeiro, o mercado de criptoativos superou US$ 1 trilhão (R$ 5,43 trilhões) de lastro. É natural que se desdobre para os esportes também. Ao investir numa plataforma como o futebol, empresas buscam atrair esse público para suas plataformas, para que conheçam essa forma de investimento e suas vantagens. O futebol sempre se prestou muito bem a isso”, analisou.

    Pedro Trengrouse, advogado especializado em esporte, afirma que os times brasileiros também podem realizar negociações com criptomoedas. “Se os clubes envolvidos concordarem, pode-se utilizar criptomoedas como meio de pagamento sem nenhum problema. Da mesma forma, os salários também podem ser pagos assim, se as partes estiverem de acordo e os direitos trabalhistas forem respeitados. O empregado recebe o mesmo valor que receberia em moeda corrente, convertido em saldo de bitcoin”, opinou.

    Nos Estados Unidos isso já é realidade: Russell Okung, jogador do Carolina Panthers, é o primeiro jogador da NFL (futebol americano) a receber 50% de seu salário de US$ 13 milhões (R$ 70,5 milhões) em bitcoin.

    Ainda assim, em um esporte em que a tradição é tão valorizada como no futebol, o bitcoin deve demorar para se popularizar. Por isso, não surpreende que uma equipe surgida para os eSports tenha feito a primeira transação com bitcoins.

    “O mundo dos jogos online sempre teve relação com criptomoedas. Vários jogos entenderam que elas eram instrumentos para se registrar movimentações financeiras dentro dos jogos e é muito comum encontrar gamers antigos que hoje detém uma fortuna em bitcoins, porque eles acumulavam desde a época em que o valor era muito baixo. Então, o uso de tecnologias de blockchain, criptomoedas e criptoativos é muito forte neste universo e soa natural que esta inovação tenha vindo de um clube com essa origem”, avaliou Bruno Maia.

    NOVOS NEGÓCIOS – Para além da possibilidade de utilizar as moedas em suas transações, os clubes também podem usar criptoativos como forma de arrecadar dinheiro junto às torcidas, apontam os especialistas. “Os clubes podem emitir criptomoedas próprias e captar volume considerável de recursos através do engajamento de seus torcedores em operações conhecidas como ICOs (Initial Coin Offerings, ou Ofertas Iniciais de Moedas, em tradução livre). Em 2017, ICOs levantaram US$ 5 bilhões e deixaram de ser um método de captação de recursos relativamente desconhecido, usado apenas na comunidade blockchain”, apontou Pedro Tengrouse.

    Bruno Maia dá mais detalhes de como isso pode ser feito. “Toda criptomoeda é um criptoativo, mas a recíproca não é verdadeira. Há ativos digitais que não são moedas e, esses sim, já estão mais próximos do futebol, como o que foi criado recentemente pelo Vasco aqui no Brasil, que tem materialidade em um ativo real – naquele caso, as receitas futuras vindas pelo mecanismo de solidariedade da Fifa – é mais fácil vermos a implementação deste formato por vários times. Ou como os Fan Tokens, já lançados por uma série de clubes fora do país, nos quais o torcedor ganha acesso à participar da vida do clube de acordo com os investimentos que ele faça”, afirmou.

    O “Vasco Token” foi lançado pelo time de São Januário em dezembro de 2020. Segundo o clube carioca, teria recebido R$ 10 milhões da empresa parceira, a Mercado Bitcoin, como adiantamento e em apenas um dia, uma quantia de R$ 1,2 milhão já teria sido negociada com o criptoativo, com 12.200 unidades vendidas. Assim, quando jogadores como Philippe Coutinho e Douglas Luiz forem negociados por seus times atuais e o Vasco receber sua parcela como clube formador, quem comprou o token terá direito a uma pequena parte.

    “Essa transformação de recebíveis futuros em tokens não fungíveis (NTF) pode ser muito promissora para os clubes que vão poder antecipar receitas, compartilhando o risco de sucesso com quem invista, pode ser torcedor ou não. Se a avaliação do valor daquele ativo for bem feita e ele for algo realmente interessante em termos de geração de valor, pode ser um modelo muito bom para o clube. Se ele fizer uma avaliação ruim, pode vir a perder dinheiro. Mas no cenário do futebol brasileiro atual, tão sufocado em novas receitas, é algo que promete ajudar”, complementou Maia.

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