• Teto entra no foco das campanhas

  • 18/07/2022 17:10
    Por Anna Carolina Papp e Adriana Fernandes / Estadão

    A PEC “Kamikaze”, que ampliou o valor do Auxílio Brasil e criou novos benefícios, emparedou de vez o teto de gastos e, segundo analistas, tornou insustentável a permanência da regra fiscal nos moldes atuais. Agora, os investidores não se perguntam mais se o teto será alterado, mas o que será colocado no seu lugar. As campanhas dos pré-candidatos à Presidência também já defendem mudanças no mecanismo – incluindo o petista Luiz Inácio Lula da Silva e o próprio presidente Jair Bolsonaro (PL), que aparecem na frente nas pesquisas de intenção de voto.

    Principal âncora da política fiscal do País, o teto limita o crescimento das despesas do governo de um ano para o outro à inflação. Criado no governo Temer, foi visto como base para a retomada dos investimentos e da credibilidade das contas públicas.

    Mas só no atual governo, a regra já foi alterada cinco vezes. Duas dessas alterações, em menos de sete meses, abriram espaço a gastos maiores em pleno ano eleitoral: com a PEC dos Precatórios, em dezembro do ano passado, e agora com a PEC “Kamikaze”. Isso aumentou a percepção de risco fiscal a partir de 2023, e levou investidores a cobrar juros mais altos para comprar títulos do governo, além de se refletir nas cotações do dólar.

    O aumento das despesas com o Auxílio Brasil, que passou de R$ 400 para R$ 600 até o fim do ano, é chave para entender por que o funcionamento do teto está em xeque. Embora aprovado para ser temporário, é dada como certa entre os técnicos a manutenção do novo valor no próximo governo, porque não haveria ambiente político para corte de despesas do Orçamento. O gasto com o benefício no ano inteiro chegaria a R$ 150 bilhões, no mínimo – valor próximo de todo o espaço que o governo tem para despesas não obrigatórias, incluindo investimentos. Outro fator que está na conta é a pressão por reajuste dos salários dos servidores, que estão congelados.

    Na sexta-feira, Bolsonaro disse que a regra foi criada para estancar “hemorragias” de governos anteriores. Esse é o mesmo argumento usado nos bastidores pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que se queixa de não poder usar o excesso de arrecadação para aumentar investimentos públicos. Já lideranças do Centrão cobram uma flexibilização junto com a discussão do Orçamento de 2023 – o primeiro do próximo governo.

    Para o diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Daniel Couri, a PEC “Kamikaze” é mais um motivo para que o próximo presidente discuta a mudança no teto. Ele destaca que a permanência do Auxílio Brasil em R$ 600 não cabe dentro do pouco espaço que existe hoje para as despesas que não são obrigatórias. Seria preciso cortar mais R$ 50 bilhões de gastos de outras áreas. “Na discussão da PEC, não vi ninguém questionado isso. O teto não foi um problema, o que mostra a sua fragilidade.”

    GASTOS ALÉM DA INFLAÇÃO

    O Ministério da Economia já trabalha em projeções que consideram uma mudança no teto de gastos para permitir um crescimento real (acima da inflação) das despesas de 1,5%. O objetivo é abrir espaço fiscal a novos investimentos públicos, uma cobrança do presidente Jair Bolsonaro para um eventual segundo mandato.

    Pelas projeções, esse ajuste só aconteceria a partir de 2027, mas uma alteração na regra poderá ser antecipada, como admitem fontes do governo ao Estadão, no cenário atual de pressão por mudanças. No início de junho, em entrevista ao SBT, Bolsonaro foi taxativo ao afirmar que a regra poderá ser mudada depois das eleições.

    “Algumas coisas você pode mexer no teto de gastos, como já proposto pela própria equipe do (ministro) Paulo Guedes. Mas a gente vai deixar para discutir isso depois das eleições”, disse Bolsonaro à época.

    Duas premissas guiam os estudos: um cenário de queda da dívida pública e aumento real da despesa inferior à variação do PIB. Ou seja, uma trajetória que permita o aumento real de gastos quando a dívida estiver caindo para abrir espaço a investimentos públicos.

    As discussões estão ocorrendo em paralelo à regulamentação da emenda constitucional 109, conhecida como PEC Emergencial. O texto prevê a introdução de uma meta para a dívida pública no arcabouço das regras fiscais do País. Nesse modelo, nem o teto nem a meta de superávit primário (que é resultado das receitas menos despesas) deixam de existir. Os técnicos consideram importante a manutenção de uma regra para controle das despesas.

    A equipe técnica do Ministério da Economia trabalha para apresentar a proposta de regulamentação em agosto. A ideia é que a dívida pública passe a ser a principal âncora da política fiscal brasileira. O texto autoriza medidas de ajuste para as contas públicas alcançarem a trajetória desejada e o planejamento de alienação de ativos para a redução da dívida, como é o caso das privatizações de empresas e venda de imóveis.

    PRESIDENCIÁVEIS

    A mudança do teto de gastos também é defendida pelos outros pré-candidatos à Presidência. Mesmo a campanha da senadora Simone Tebet (MDB-MS), que a princípio defende a manutenção da regra atual, não descarta uma antecipação da revisão – prevista para 2026.

    Líder nas pesquisas de intenção de voto, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já avisou que vai revogar o teto de gastos. O economista Guilherme Mello, da Fundação Perseu Abramo e que colabora na elaboração do programa de governo do partido, diz que a discussão segue na linha de revogar o teto e construir um novo arcabouço fiscal para dar credibilidade e previsibilidade às contas públicas. A proposta, segundo ele, é selecionar melhor os gastos, privilegiando os “de boa qualidade”.

    “Tudo isso segue vivo. A aprovação da PEC (‘Kamikaze’) demonstra a completa perda de credibilidade do arcabouço atual, e como ele deixou de cumprir as funções”, afirma Mello. “É uma regra (do teto) que não é respeitada.” Apesar das discussões, o PT ainda não divulgou os detalhes do seu plano para as contas públicas.

    Das campanhas já na rua, a do ex-governador Ciro Gomes (PDT) é a que mais detalhou até agora os planos para mudar o teto de gastos. O deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE), que trabalha no programa econômico de Ciro, afirma que a proposta é ter um teto para as despesas correntes do governo. Os gastos com investimento ficariam de fora.

    Esse teto seria corrigido pela inflação mais metade do crescimento do PIB. “Se o PIB cresceu 2%, é inflação mais um 1%”, explica Benevides. Pela proposta, a evolução dos investimentos estaria vinculada às receitas. “É assim no mundo”, afirma o deputado, que já foi secretário de Fazenda do Ceará e implementou no Estado o teto para as despesas correntes. “O investimento não pode estar dentro do teto de gasto”, acrescenta ele.

    Responsável pelo programa econômico de Simone Tebet, a economista Elena Landau defende a manutenção do teto de gastos caso a senadora do MDB vença as eleições. “O teto ainda existe, apesar de estar todo esburacado pelo próprio governo”, afirma. “O teto nasceu para estancar a sangria do governo Dilma, e nisso ele funcionou. Ele é importante para que a sociedade entenda que é preciso fazer escolhas. Só que o governo e o Congresso vêm se recusando a fazer essas escolhas, dando um ‘jeitinho’ com a PEC dos Precatórios, a PEC Eleitoral (‘Kamikaze’) e o orçamento secreto”, diz.

    Ela não descarta, no entanto, a possibilidade de antecipar a revisão do teto, prevista para 2026. “A depender do que o (o atual) governo deixar de herança para 2023, a gente pode ter de antecipar essa discussão. A ideia é manter o teto, e fazer com que ele seja respeitado novamente. Agora, se não for o teto, que seja alguma âncora de despesas públicas”, afirma a economista, que também defende a recriação do Ministério de Planejamento e Orçamento. “Você só consegue ter o Orçamento sequestrado da maneira que foi porque o governo não tem planejamento, e aí vai criando puxadinhos.”

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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