• Tenho muita vontade de irritar os não vacinados contra covid, diz Macron

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  • 05/01/2022 13:05
    Por Redação / Estadão

    O presidente francês, Emmanuel Macron, causou polêmica na França, e provocou uma onda de críticas ferozes de seus opositores, ao defender a imposição de restrições a pessoas não vacinadas contra a covid-19. “Eu não quero irritar os franceses. Reclamo o dia todo quando o governo os atrapalha. Mas os não vacinados, esses eu tenho muita vontade de irritar”, disse Macron, em entrevista ao jornal Le Parisien publicada na terça-feira, 4. Macron usou o verbo “emmerder” em francês, um registro coloquial da língua que também pode ser considerado, a depender do contexto, um palavrão.

    Na entrevista, o presidente respondia a perguntas enviadas por leitores do jornal, e a resposta foi dada a uma enfermeira que o questionou sobre pessoas imunizadas contra o coronavírus que estavam tendo cirurgias adiadas porque os hospitais estariam ocupados com o atendimento a pacientes com covid que escolheram não se vacinar.

    Para Macron, os que se opõem à vacina cometem uma “imensa falta moral”. “Eles estão minando o que é a solidez de uma nação. Quando a minha liberdade ameaça a dos outros, eu me torno um irresponsável. Um irresponsável não é mais um cidadão”, disse o presidente.

    A França registrou 271.746 novos casos de Covid nesta terça, a maior marca desde o início da pandemia. O número alto para os padrões franceses pode ser resultado de um represamento de dados decorrente dos feriados de fim de ano.

    Mas a média móvel – recurso que considera os números dos últimos sete dias e, portanto, apresenta um cenário estatístico mais próximo da realidade – também vem batendo recordes consecutivos desde 26 de dezembro. Atualmente, o índice supera 180,5 mil casos de covid por dia, segundo dados do portal Our World in Data.

    Pouco mais de 73% dos franceses estão com o esquema vacinal completo, número relativamente alto para o país que, historicamente, abriga um forte movimento de resistência às vacinas.

    Isso significa que a parcela da população que Macron disse ter “muita vontade de irritar” é composta por aproximadamente um quarto do país – uma porcentagem bastante significativa em termos políticos, ainda mais considerando que os franceses irão às urnas para escolher seu presidente em abril.

    A fala de Macron teve repercussões políticas imediatas. O debate a respeito do projeto de lei que prevê a exigência do comprovante de vacinação para o acesso a vários locais públicos estava agendado para esta quarta-feira, 5, mas foi cancelado pelo Parlamento.

    “Um presidente não pode dizer essas coisas”, disse o líder da oposição, Christian Jacob, do partido Republicanos, de direita. “Sou a favor do passaporte de vacina, mas não posso apoiar um texto cujo objetivo é ‘irritar’ os franceses’.”

    Outros membros da oposição exigiram que o primeiro-ministro Jean Castex desse explicações aos parlamentares sobre o projeto de lei e sobre a fala de Macron.

    “Não cabe ao presidente da República escolher entre os bons e os maus franceses”, disse Valérie Pécresse, candidata do Republicanos ao Palácio do Eliseu, acrescentando que estava indignada com os comentários e classificando o mandato de Macron como um “quinquênio de desrespeitos”.

    A ultradireitista Marine Le Pen também não poupou críticas ao adversário e aproveitou para defender sua candidatura à Presidência. “Os insultos aos franceses não vacinados demonstram que Emmanuel Macron irá sempre mais longe no seu desprezo e nas suas medidas liberticidas. Eu devolverei aos franceses suas liberdades”, escreveu a deputada no Twitter.

    Para Éric Zemmour, também da ultradireita, Macron foi cínico e cruel em seu posicionamento. “Esta não é apenas a afirmação cínica de um político que deseja existir na campanha presidencial. É a crueldade admitida e aceita que desfila diante dos desprezados franceses”, afirmou o jornalista e escritor que tem chances reais de pelo menos ir ao segundo turno no pleito presidencial.

    No campo da esquerda, Macron também foi alvo de críticas. Anne Hidalgo, prefeita de Paris e candidata à Presidência pelo Partido Socialista, republicou uma notícia sobre a fala do mandatário, questionando com ironia seu declarado intuito de “unir os franceses”.

    O candidato do Partido Comunista Francês, Fabien Russel, disse que o “grosseiro modo” de Macron não pode ser interpretado como uma piada. “Observação indigna e irresponsável do presidente da República! Quando temos que convencer, reunir, não insultamos”. Russel pontuou ainda que há milhões de franceses sem acesso a serviços de saúde. “Ele [Macron] vai irritar a eles também?”, questionou.

    O esquerdista Jean-Luc Mélenchon afirmou que as palavras de Macron foram uma “confissão” de que o projeto de passe vacinal seria “uma punição coletiva contra a liberdade individual”. Segundo ele, o presidente contraria a Organização Mundial da Saúde (OMS) ao tentar coagir e não convencer os hesitantes, e cria uma crise parlamentar. “Não esperávamos isso de um discurso oficial”, disse Mélenchon.

    Assim, os comentários do presidente, ao menos por enquanto, saíram pela culatra e alimentaram a imagem de arrogância que críticos costumam atribuir a ele.

    O projeto defendido por Macron propõe que um novo passaporte de vacinação substitua o documento atual, eliminando a opção de apresentar um teste com resultado negativo para covid como certificado de saúde.

    Se aprovada, a nova lei deve entrar em vigor ainda neste mês. O plano é exigir que todos os maiores de 12 anos apresentem provas de que foram vacinados caso queiram frequentar restaurantes, museus, academias, cinemas e o transporte público.

    Polêmicas em série

    Desde que assumiu o poder em 2017, Macron tentou apagar sua imagem de político insolente próximo às elites, embora seu mandato seja salpicado de frases polêmicas. Em entrevista concedida em dezembro, o presidente justificou essas polêmicas por sua “vontade de sacudir” o sistema, como quando garantiu que nas “estações de trem você encontra gente que fez sucesso e gente que não é nada”.

    Suas declarações polêmicas sobre os pobres ou desempregados também serviram de catalisador durante as manifestações dos “coletes amarelos” entre 2018 e 2019 após um aumento no preço do combustível, mas que acabou se tornando um movimento de protesto muito mais amplo.

    O cientista político Jérôme Fourquet comentou na rádio France Info sobre as últimas declarações que “uma parte das pessoas não vacinadas pode considerar como uma espécie de provocação ou como uma declaração de guerra”.

    Ao Le Parisien, Macron explicou que mais de 90% dos franceses já foram vacinados, mas que ainda existe uma minoria contra. “Como reduzimos essa minoria? Reduzimos, desculpe dizê-lo, incomodando ainda mais”, acrescentou.

    O presidente francês busca conter o novo pico de infecções antes de confirmar sua candidatura à reeleição, algo que seu círculo, como o ex-primeiro-ministro Edouard Philippe, considera certo, mas que o chefe de Estado reluta em anunciar.

    Seu antecessor no cargo, o socialista François Hollande, desistiu em 2017 de disputar um segundo mandato, em um contexto de baixíssima popularidade. Hollande havia chegado ao Eliseu em 2012 depois de derrotar o presidente conservador Nicolas Sarkozy. (Com agências internacionais).

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