‘Tár’ usa a música para falar de relações de poder sob a ótica de uma mulher
Desde sua exibição na competição do último Festival de Veneza, Tár, dirigido por Todd Field, vem provocando reações extremas. O filme estrelado por Cate Blanchett, que ganhou então a Coppa Volpi de atuação feminina e é considerada a favorita para o Oscar de melhor atriz, foi eleito o melhor de 2022 pelas associações de críticos de Nova York e Los Angeles e pela National Society of Film Critics. Mas também foi criticado por gente como a regente Marin Alsop, que se disse ofendida pela produção. Tár estreia nesta quinta-feira (26) no Brasil.
De certa forma, era essa mesma a intenção de Field, que não lançava um longa-metragem desde Pecados Íntimos (2006). “Eu sempre fui apaixonado por certos tipos de filmes que me davam espaço para, como espectador, fazer parte da feitura, tomando minhas próprias decisões. É nesse tipo de cinema que estou interessado”, disse ele em mesa-redonda com a participação do Estadão, por videoconferência. Field acha que, principalmente hoje, as pessoas chegam ao cinema com expectativas. “A maioria quer que o diretor levante uma bandeira e diga como se sente em relação a determinado assunto.”
Tár se passa no mundo da música clássica, tendo Blanchett no papel da regente Lydia Tár, a primeira mulher a comandar a Orquestra Filarmônica de Berlim. Trata-se de um personagem fictício, mas muita gente achou que era de verdade. Há até uma conta do Twitter personificando-a.
“Eu fico animada de ver que não temos mais posse sobre as personagens dessa história”, disse Blanchett em mesa-redonda por videoconferência. “E estou achando curioso que ela tenha apelo com uma faixa demográfica que eu não imaginava que se engajaria em uma obra que se passa nesse universo.” A 5ª Sinfonia de Gustav Mahler – que, curiosamente, também aparece em Decisão de Partir, de Park Chan-wook – teve um aumento de 150% na Apple Music em outubro em relação ao mês anterior. “Isso me deixa muito feliz, porque eu sempre quis que a música clássica fosse popular”, disse a violoncelista Sophie Kauer, que estreia no cinema como Olga Metkina, uma das pupilas da maestrina.
Trama
Lydia Tár é autoconfiante, arrogante, genial. Ela tem poder e abusa dele, tendo como observadoras e cúmplices sua mulher, a violinista Sharon Goodnow (Nina Hoss), sua assistente, Francesca Lentini (Noémie Merlant), e uma jovem promissora, Olga Metkina (Sophie Kauer). Não demora para começarem a aparecer denúncias de assédio sexual.
Foi justamente o fato de uma personagem feminina e lésbica ser acusada de assédio sexual e abuso de poder que levou Marin Alsop a se sentir ofendida “como mulher, regente e lésbica”, chamando o filme de “antimulher”. Field tinha uma razão para essa escolha. “Todos sabemos como devemos nos sentir sobre homens abusando de seu poder. Infelizmente, só homens têm ocupado posições de poder desde sempre e finalmente agora estamos ouvindo essas histórias. Tipicamente, mulheres e gays não ocupam posições de poder, então há um quê de contos de fada aqui”, disse o diretor.
Field oferece uma lente diferente para examinar o assunto. “Eu acho que ter uma mulher nesse papel faz com que você preste mais atenção”, disse a atriz Noémie Merlant. Para Cate Blanchett, “o poder é uma força que existe independentemente do gênero”.
Em 2h38 de duração, examinar é a palavra-chave. Todd Field queria que passássemos esse tempo com essa personagem controversa, difícil de gostar, complexa, indo de seu auge à queda. “Hoje, nós fazemos julgamentos muito rápidos sobre determinadas pessoas que não conhecemos e nunca vamos conhecer”, disse o cineasta. “Aqui, realmente temos a chance de nos aprofundar no comportamento de alguém que detém poder. De que lado você vai ficar?”
O abuso de poder e o assédio sexual são apenas dois dos temas de Tár, que discute também a chamada cultura do cancelamento e o limite da tolerância na busca pela excelência nas artes. “Essa é a questão eterna”, disse Blanchett. “É preciso um crítico interno exigente. Só que, às vezes, essa crítica acaba sendo externada, e muita gente se ofende com isso. Para mim, pessoalmente, toda vez que eu rompi alguma barreira foi porque alguém me disse verdades brutais que foram difíceis de ouvir.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.