Suspeito confessou assassinato de Bruno e Dom, diz superintendente da PF no Amazonas
A Polícia Federal afirmou nesta quarta-feira, 15, que o jornalista inglês Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira foram assassinados no Vale do Javari no domingo, 5. A confirmação veio após Amarildo Oliveira, conhecido como “Pelado”, preso por suspeita de participação no desaparecimento, confessar envolvimento no crime.
“Ontem a noite nós conseguimos que o primeiro preso neste caso, conhecido por Pelado, voluntariamente resolveu confessar a pratica criminosa. Durante a confissão ele narra com detalhes o crime realizado e aponta o local onde havia enterrado os corpos”, afirmou Eduardo Alexandre Fontes, superintende regional da PF em coletiva de imprensa.
Nesta manhã, a PF levou Oseney para a área de buscas no rio Itaquaí, onde foram encontrados remanescentes humanos. Ele admitiu que a dupla foi abordada e morta no trajeto de barco entre a comunidade de São Rafael. Ainda estão sendo feitas escavações no local, que fica 3,1 km do rio. Também se espera encontrar no local o barco usado por Bruno Pereira e Dom Phillips no trajeto.
“Nós não descartamos a hipótese de outras pessoas estarem envolvidas. Temos muito o que fazer no inquérito para coletar seguramente provas de autoria e materialidade”, afirmou o Delegado da Polícia Civil, Guilherme Torres.
Os novos materiais descobertos e vestígios humanos coletados próximos ao local na sexta-feira, 10, estão sendo periciados. A análise é feita a partir de materiais genéticos fornecidos pelas famílias de Pereira e Phillips. Uma mochila com pertences do jornalista também foi identificada na mesma área.
Nesta terça-feira, 14, a PF também prendeu Oseney da Costa de Oliveira, que vive perto do local onde a mochila do repórter foi encontrada. Os investigadores já tratavam o caso como suposto homicídio. O pescador foi o segundo preso de envolvimento no desaparecimento da dupla detido temporariamente. Ele é irmão do também pescador Amarildo da Costa Oliveira, o primeiro preso pela PF na investigação. Testemunhas relataram aos policiais federais que os dois saíram de barco em alta velocidade atrás de Bruno e Dom no dia do desaparecimento.
Pereira e Phillips percorriam a região do Vale do Javari. Pereira orientava moradores da região a denunciar irregularidades cometidas em reserva indígena e o jornalista estrangeiro acompanhava o trabalho para registrar em livro que pretendia escrever.
Para lembrar
No domingo, 5 de junho, o indigenista Bruno Araújo Pereira, da União das Organizações Indígenas do Vale do Javari (Univaja), e o jornalista inglês Dom Phillips, do britânico The Guardian, partiram da comunidade ribeirinha de São Rafael em direção à cidade de Atalaia do Norte, ambas no estado do Amazonas. A viagem costuma durar apenas duas horas, mas Bruno e Dom nunca chegaram. Após horas sem contato, uma equipe da Univaja formada por indígenas conhecedores da região que trabalhavam com Bruno partiu em busca dos dois, mas sem sucesso.
Na segunda-feira, 6, a União dos Povos Indígenas comunicou o desaparecimento. No entanto, a entidade denunciou, em nota, que apenas seis policiais e uma equipe da Funai juntaram-se às buscas nesse dia. A Univaja, a Defensoria Pública da União (DPU) e o Ministério Público Federal (MPF), ajuizaram uma Ação Civil Pública contra a União para que a Polícia Federal, Forças de Segurança ou das Forças Armadas (Comando Militar da Amazônia) disponibilizassem pessoal e equipamentos para reforçar a busca pelos desaparecidos.
O Comando Militar da Amazônia (CMA), por sua vez, afirmou que ainda não havia iniciado as buscas por não ter recebido ordem do Escalão Superior, conforme divulgou o jornalista e colunista do Estadão, Pedro Doria.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) criticou o que chamou de “aventura” do jornalista e do indigenista. A declaração foi dada na terça-feira, 7. O presidente afirmou que a dupla pode ter sido executada e que na região, que segundo ele é “selvagem”, “tudo pode acontecer”. O que o presidente chamou de “aventura” fazia parte do trabalho de Bruno, que atuava na Amazônia há anos desafiando poder de narcotraficantes, garimpeiros e outros exploradores com projeto de vigilância no Vale do Javari.
Ainda na noite da terça-feira, a Polícia Militar prendeu um homem suspeito de participar do desaparecimento de Bruno Pereira. Amarildo, conhecido pelo apelido de “Pelado”, foi preso em flagrante portando munição de calibre 762, de origem peruana, o que sugere envolvimento com o crime internacional.
Na quarta-feira, 8, a Justiça Federal da 1ª Região respondeu à Ação Cívil apontando omissão do governo federal e exigindo reforços às buscas no Vale do Javari. No mesmo dia, autoridades anunciaram a criação de um gabinete integrado, com participação do Exército, Marinha, Polícia Militar, Polícia Civil e Corpo de Bombeiros para coordenar as buscas a partir de Manaus, a 1.136 km de distância de Atalaia do Norte. Na ocasião, as forças de segurança disseram não haver “indícios fortes de crime”.
Na quinta-feira, 9, a Polícia Federal informou ter encontrado vestígios de sangue na lancha do pescador Amarildo, que teve sua prisão temporária decretada na sequência. O material foi enviado para análise em Manaus, onde existe estrutura necessária para a perícia.
Na sexta, 10, a ONU afirmou que o governo brasileiro foi muito lento para iniciar as buscas e elogiou organizações civis, como a Unijava, que se mobilizaram antes mesmo das forças nacionais. O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que o governo federal adotasse imediatamente “todas as providências necessárias”, usando “todos os meios e forças cabíveis” para as buscas.
No mesmo dia, reportagem do Estadão revelou que o governo federal não havia deslocado soldados da Força Nacional de Segurança de outros Estados para atuar nas buscas. Tampouco havia decretado Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que é procedimento costumeiro em casos que envolvem regiões com pouca estrutura de segurança. Isso contraria as declarações de Bolsonaro na Cúpulas das Américas, onde afirmou que as autoridades trabalharam “desde o primeiro momento” em uma “busca incansável” pelos dois.
Também na sexta, a Polícia Federal no Amazonas informou ter localizado “material orgânico aparentemente humano” próximo ao porto de Atalaia do Norte. O material também foi enviado a Manaus.
No sábado, 11, reportagem do Estadão revelou que líderes indígenas recorreram a escoltas para se deslocarem pela região do desaparecimento, por temerem o crime organizado. Os repórteres especiais também mostraram um pouco da rotina de medo que acompanhava as buscas a Bruno e Dom.
Quando completou-se uma semana do desaparecimento, no domingo, 12, atos reuniram familiares, amigos e apoiadores de Bruno e Dom em Copacabana, no Rio de Janeiro, além de Belém, Salvador e outras capitais. As manifestações homenagearam os dois e cobraram agilidade das autoridades nas buscas.
No mesmo dia, o Corpo de Bombeiros encontrou mochila e objetos pessoais de Dom e Bruno presa a uma árvore numa região alagada dos rios que dividem o Brasil e o Peru.
Ameaças
Um mês antes de seu desaparecimento, Bruno Pereira havia recebido ameaças por causa de seu trabalho junto aos indígenas no combate a invasões na Amazônia. “Sei quem são vocês e vamos achar para acertar as contas”, dizia o bilhete enviado à advogado da Unijava. Como demonstrado pelo Estadão, projeto do indigenista desafiava poder de narcotraficantes e garimpeiros na região do Vale do Javari.
Bruno foi exonerado da Fundação Nacional do Índio (Funai) em 2019, por ordem do presidente da entidade, Marcelo Augusto Xavier da Silva, mas sem nenhuma argumentação técnica. À época, ele já era considerado um dos principais especialistas em indígenas isolados. Indigenistas e servidores repudiaram a exoneração. Em nota, afirmaram que ela “representa mais um passo para um retrocesso histórico da política pública para proteção dos povos indígenas isolados”.