• Supermercados estão com o menor estoque em dois anos

  • 18/07/2022 19:35
    Por Talita Nascimento e Juliana Estigarríbia / Estadão

    Com a demanda em queda livre por conta da inflação, as redes de supermercados têm trabalhado com estoques menores e buscado equilibrar pedidos, ao encomendar apenas a previsão do que o consumidor vai de fato comprar. Com essa maior seletividade, porém, tem aumentado a queda de braço entre lojistas e indústria, que tem sido mais criteriosa nos descontos para grandes encomendas.

    Os mercados têm acertado em suas previsões. O índice geral de rupturas (produtos que faltam nas prateleiras) calculado pela Neogrid, empresa especializada em cadeias de suprimentos, teve ligeira queda em junho e ficou em 11%, comparado aos 11,5% de maio. Esse não é um indicador de desabastecimento, mas, sim, de faltas pontuais, que ocorrem em razão de estoques menores e entregas postergadas.

    Segundo Robson Munhoz, diretor da Neogrid, o varejo alimentar vem trabalhando com o menor índice de estoques em dois anos. “As varejistas não estão mais comprando por oportunidade, mas sim por necessidade. Diversas indústrias têm limitado os volumes e, por isso, os descontos concedidos têm sido mais criteriosos”, afirma.

    Para ele, as varejistas estão aprendendo a calcular a demanda do ponto de vista do consumidor. “É um ensaio mais apurado sobre o que de fato vende”, diz. “Estão aprendendo a entender a demanda principalmente pelo uso de tecnologia.”

    Mais negociações

    O vice-presidente institucional da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), Marcio Milan, afirmou na quinta-feira, 14, que a entidade tem estimulado os associados a negociar mais intensamente com a indústria. A lógica é entender os aumentos de preços e identificar determinadas altas injustificáveis. Ele diz que as negociações têm sido mais longas, exigido mais informações e que isso não tem causado desabastecimento nas lojas.

    “Não identificamos falta de produtos em razão da maior negociação de supermercados com indústria”, afirmou. Ainda assim, eventuais quebras no fornecimento podem acontecer de maneiras pontuais. “Ruptura é algo inerente à operação dos supermercados. Em momentos inflacionários, normalmente há uma tendência disso aumentar”, diz.

    Isso ocorre porque, na tentativa de melhorar o preço de compra da mercadoria, os estoques diminuem e faltam determinados itens nas gôndolas até que se chegue a um acordo com o fornecedor. Como a demanda está menos aquecida, porém, essas quebras estão menos frequentes. O consumo nos lares brasileiros subiu 0,39% em maio em relação ao mesmo mês de 2021. Na comparação com o mês imediatamente anterior, porém, houve queda de 3,47%, influenciada pela sazonalidade. Os dados são da pesquisa Consumo nos Lares Brasileiros da Abras.

    Para Joelson Sampaio, professor de economia da FGV, o cenário de inflação eleva o desafio para indústria e varejo na mesa de negociações. “As varejistas têm de aumentar a pesquisa e comparação de preços e produtos para conseguir melhorar as negociações. O atual momento demanda mais estratégias para se obter um bom planejamento.”

    Mesmo com a perspectiva de melhora da crise do combustível, por conta da recente medida do governo envolvendo o ICMS, a continuidade da ruptura na cadeia produtiva deve seguir tendo impacto para o varejo e a indústria, afirma. “A falta de insumos e produtos na indústria acaba dificultando as negociações”, diz.

    O que falta

    A indisponibilidade do leite longa vida nas gôndolas dos supermercados em junho atingiu o maior patamar em um ano, e o segundo maior desde janeiro de 2019. De acordo com dados da Neogrid, a falta do item nas prateleiras registrou índice de 19,4% em junho, ante 18,8% no mês anterior. Outro produto que também registrou alta de ruptura em junho, de 19,4% – a segunda maior no ano -, foram os ovos, que acabam substituindo a proteína animal em muitas mesas. Em maio, o índice foi de 17%.

    No caso do leite, Munhoz afirma que a ruptura elevada deve se manter até o fim deste trimestre. Entre os motivos, estão estiagem, aumento no custo da ração do gado e do valor do leite no varejo. “Isso afeta também parte dos derivados, como leite condensado, iogurte, queijos, entre outros”, afirma.

    Já os ovos obedecem a outro fenômeno: “O dólar aumentando, a situação ainda de guerra na Ucrânia, a inflação elevada e o aumento nas tarifas de luz causam efeitos em toda a cadeia de abastecimento. A indústria não consegue sustentar aumentos e precisa repassar parte do custo – com supermercados registrando margens muito apertadas e também não conseguindo segurar o reajuste dos valores. Isso afeta o consumidor final – que passa a buscar mais ofertas, marcas mais baratas, troca proteínas pelas mais em conta”, diz Munhoz.

    Diferentemente do leite que, no mesmo período do ano passado estava em um patamar parecido de rupturas (em 19,2% frente os 19,4% de agora), os ovos estão 2,4 pontos porcentuais acima do registrado em junho de 2021.

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