• STJ consolida fama de ‘cemitério de operações’

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  • 07/03/2021 16:00
    Por Rafael Moraes Moura / Estadão

    Longe dos olhos da opinião pública, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) se tornou uma espécie de “cemitério de operações”, selando o desfecho de investigações que incomodaram políticos e seus familiares, executivos, banqueiros e empresas privadas. De 2011 para cá, as apurações da Castelo de Areia, Satiagraha, Boi Barrica e Operação França foram derrubadas por determinação do tribunal. Agora, o caso das “rachadinhas” no antigo gabinete do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) na Assembleia Legislativa do Rio corre o risco de ter o mesmo fim.

    No mês passado, a Quinta Turma do STJ anulou a quebra do sigilo bancário e fiscal do filho do presidente Jair Bolsonaro, esvaziando a denúncia contra o parlamentar por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Outros dois recursos do senador – que contestam o compartilhamento de informações do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e a competência do juiz Flávio Itabaiana para cuidar da apuração na primeira instância – podem dinamitar a apuração e levar o caso à estaca zero.

    O julgamento, previsto para ser retomado na terça-feira passada, foi adiado por decisão do relator, Felix Fischer. “A gente sabe que o que está sendo feito nesse caso é prejudicar o combate à corrupção”, afirmou o diretor executivo da ONG Transparência Brasil, Manoel Galdino. “O que diferenciou a Lava Jato e o mensalão é que esses casos passaram muito mais pelo STF do que pelo STJ, e aí o STF foi menos leniente com a corrupção.”

    Seis ministros do STJ em atividade ouvidos pela reportagem nos últimos dias divergem sobre o rótulo de “cemitério de operações” atribuído ao tribunal. Para uma ala, não é de hoje que o STJ merece a alcunha e virou uma espécie de “casa de passagem” em que alguns magistrados tentam se cacifar e ser promovidos ao Supremo Tribunal Federal (STF), considerado o topo da carreira.

    Outros ministros, no entanto, avaliam que o STJ assume o ônus de impor limites, verificar se os procedimentos legais estão sendo cumpridos e corrigir a “lambança” de investigações que tramitam em instâncias inferiores.

    No caso de Flávio Bolsonaro, a Quinta Turma do STJ entendeu que a decisão que determinou a quebra do sigilo bancário e fiscal de Flávio Bolsonaro e outros 94 alvos não foi devidamente fundamentada, como exige a lei. “O magistrado não se deu ao trabalho de adotar de forma expressa as razões do pedido (do Ministério Público), apenas analisou os argumentos, concluindo que a medida era importante. A decisão é manifestamente nula”, criticou o ministro João Otávio de Noronha no julgamento do recurso.

    Noronha é um dos três integrantes do STJ que estão cotados para a vaga que será aberta no Supremo, em julho, com a aposentadoria do ministro Marco Aurélio Mello. Também estão no páreo o presidente do STJ, Humberto Martins, que é evangélico, e o ministro Luis Felipe Salomão, relator de ações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que investigam a campanha de Bolsonaro à Presidência da República em 2018.

    Operações

    O esvaziamento de operações policiais é uma história recorrente em julgamentos do STJ. Em abril de 2011, a Sexta Turma derrubou grampos feitos no âmbito da Castelo de Areia, operação que atingiu políticos e construtoras suspeitos de envolvimento num esquema de desvio de verbas públicas. Na época, as provas obtidas a partir de escutas telefônicas foram anuladas pelo tribunal porque haviam sido autorizadas com base em denúncia anônima, o que foi considerado ilegal.

    A procuradora da República Karen Kahn, que atuou na investigação da Castelo de Areia, ressalta que cabe à Justiça a resolução dos conflitos, mas, ainda segundo ela, não se consegue isso “abortando” as apurações. “Não houve a solução do conflito, não se deu a pacificação social, no sentido da efetiva apuração dos fatos”, afirmou. “Os fatos incriminados que chegaram a ser revelados e comprovados acabaram sendo silenciados, lançados para debaixo do tapete”, completou. “É daí que advém o sentimento e a efetiva situação de impunidade.”

    Dois meses depois de a Castelo de Areia desmoronar, coube ao ministro Jorge Mussi, em junho de 2011, dar o voto decisivo no julgamento que anulou as provas obtidas pela Operação Satiagraha. As investigações levaram à condenação por corrupção do banqueiro Daniel Dantas a dez anos de prisão. Os ministros, no entanto, concluíram que foi ilegal a participação clandestina de agentes da Agência Nacional de Inteligência (Abin). Na época, o delegado Protógenes Queiroz recrutou 75 agentes da Abin, que tiveram acesso a dados sigilosos.

    “O combate ao crime tem de ser feito nos termos da lei. Aquela prova colhida na clandestinidade era natimorta, e cabe a nós, do Judiciário, passar o atestado de óbito antes que seja tarde”, disse Mussi, atual vice-presidente do STJ, ao Estadão. “As garantias constitucionais não têm espaço para negociação. Se não dermos as garantias ao jurisdicionado, isso é incompatível com o Estado democrático de direito. Esse filme já se viu com Adolf Hitler na Alemanha, com Mussolini na Itália.”

    Também em 2011, a Sexta Turma anulou as provas colhidas durante a operação Boi Barrica, que investigou suspeitas de crimes cometidos por integrantes da família do então presidente do Senado, José Sarney (MDBMA). As revelações feitas pelo Estadão em 2009 levaram a Justiça a decretar censura ao jornal.

    Legalidade

    O STJ, no entanto, considerou ilegais as interceptações telefônicas. “Para ensinar as pessoas a se comportarem de acordo com a lei, você precisa de autoridades que conduzam as investigações e exerçam suas funções públicas de acordo com a lei. O fim não justifica o meio qualquer usado, o meio investigatório tem de ser legal”, afirmou Flávia Rahal, professora de direito processual penal da FGV São Paulo.

    Na avaliação do professor de direito penal da Universidade Federal do Rio de Janeiro Salo de Carvalho, a sociedade não pode “culpar” os tribunais por fazerem aquilo que a Constituição “manda”, sobretudo realizar o controle dos atos abusivos dos juízes. “Se o juiz de primeiro grau tivesse cuidado em cumprir as regras do jogo, fatalmente o processo não seria anulado”, ressaltou.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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