O Supremo Tribunal Federal (STF) deve discutir, nesta quarta-feira (11), a obrigatoriedade do poder público de oferecer e garantir vagas em creches e pré-escolas para crianças de 0 a 5 anos, conforme artigo 208, inciso IV, da Constituição Federal. A ação é movida pelo município de Criciúma (SC), mas tem repercussão geral.
Presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski diz que decisão contrária ao município de Criciúma pode levar a educação ao caos. Segundo ele, as cidades brasileiras não têm recursos suficientes para manter e atender à demanda das etapas de pré-escola e creche.
Isso porque há um entendimento de que cabe aos municípios esta tarefa. Para Ziulkoski, apenas a pré-escola tem caráter obrigatório. O município catarinense argumenta que o poder público deve acolher os infantis de acordo com as possibilidades financeiras.
Posicionamento de entidades educacionais envolvidas na discussão, como Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, o Instituto Alana, a Rede Nacional da Primeira Infância (RNPI) e a Frente Parlamentar Mista da Educação (FPME), considera que a ação de retirar a obrigatoriedade do poder público sobre a questão coloca em risco o arcabouço de direitos da infância, construído ao longo dos últimos 40 anos. O Instituto e a RNPI manifestaram-se nesta terça-feira (10), no STF contra o recurso extraordinário.
De acordo com o Censo Escolar 2021, as redes municipais concentram 2.396.032 de matrículas em creches. Enquanto, na pré-escola, há registros de 3.302.621. Somando os dois públicos, o número total é de 5.698.653 frequentando instituição de ensino. A estimativa do Datasus é que o País tenha hoje cerca de 14,7 milhões de crianças com idade de 0 a 5 anos. A meta do Plano Nacional de Educação é ter, até 2024, 50% matriculadas em creche e 100% em pré escola.
Pedro Hartung, diretor de políticas e direitos da criança do Instituto Alana, defende que o STF já construiu esse entendimento de defesa das políticas voltadas às crianças em julgamentos anteriores. Desta vez, para ele, a Corte deve reforçar a interpretação e, mais uma vez, dar prioridade absoluta à primeira infância, como determina a Constituição. Sendo o acesso à educação uma das mais importantes.
A centralidade do debate, argumenta, se dá pelo fato de o instrumento constitucional ser determinante na redução de desigualdades. “Trata-se de uma política pública que garante o desenvolvimento e o estímulo necessários de cuidados nos primeiros anos de vida. A gente está falando de uma política estruturante da sociedade. Por isso, é dever e, portanto, obrigação do Poder Público prover os recursos necessários para implementação da política de educação infantil”, sustenta Hartung.
“Há uma forçação, um encaminhamento para ser determinado. Se vier a julgar isso, vai ser uma solução insustentável. Nós vamos ter de tirar de outras etapas do ensino, a qualidade da educação cairá”, analisa o presidente da CNM. Estimativas da entidade projetam que o impacto pode ser de até R$ 13,8 bilhões por ano. Para Ziulkoski, o ensino fundamental deve ser a etapa de ensino mais prejudicada.
Financiamento
Os argumentos do presidente da CNM e do diretor do Instituto Alana convergem para a necessidade de maior participação dos entes federados e da União em relação aos recursos destinados à educação infantil. O primeiro utiliza projeções da entidade para argumentar a insustentabilidade das cidades manterem quase que sozinhas creches e pré-escolas. O segundo, por sua vez, aponta para um regime de colaboração mais coeso entre União, Estados e municípios numa parceria técnico-financeira.
A incerteza que ronda os questionamentos de ambos é de onde virão os recursos tendo em vista a política de “desfinanciamento”, como classifica Hartung. O Instituto de Estudos Socioeconômico (INESC) publicou o relatório “A conta do desmonte: Balanço do Orçamento Geral da União 2021”, onde aponta redução drástica do orçamento federal para a educação infantil.
Desde 2019, os recursos da União para a etapa reduziram cerca 77,5% na execução financeira. Naquele ano, o montante autorizado para a educação infantil correspondia a 434,10 milhões, com esse número chegando a 106,82 milhões em 2021.
“Independente da interpretação, iremos acatar o entendimento do STF. Mas sabemos que o impacto será gigantesco. O ensino fundamental já sobrevive com recursos mínimos. O Fundeb não soluciona este problema. Estados e municípios mais ricos estão recebendo mais recursos, e os mais pobres não estão sendo contemplados”, lamenta o representante do CNM.
E complementa: “os candidatos não dominam o assunto, prometem creches, mas ninguém entende o que é creche. Dizem que vão construir, mas quem mantém é o município, e os municípios não têm dinheiro.”
“Não é só sobre a vaga. É sobre a qualidade do serviço, como prevê o Marco Legal da Primeira Infância. Esse serviço tem de ter alta qualidade. Não só nas creches e pré-escolas públicas, como aquelas feitas a partir de parcerias. Tem de ter controle de qualidade bem feito nesta política pública. O dever de provimento da creche está previsto expressamente na nossa Constituição”, cita Pedro Hartung.