SP cerca praças e dispersa viciados, mas Cracolândia continua sob tensão
A Cracolândia ganhou vários endereços ao longo do ano, após ações da Prefeitura e da polícia dispersarem o fluxo de usuários de drogas no centro de São Paulo. Os dependentes químicos passaram a se concentrar tanto em vias de Santa Ifigênia como nos arredores do Elevado João Goulart (Minhocão), a exemplo do cruzamento da Rua Helvétia com a Avenida São João.
Nos últimos meses, a gestão municipal instalou cercamento permanente na Praça Princesa Isabel, onde os dependentes químicos se aglomeravam até maio, quando houve uma megaoperação da Polícia Civil. Neste mês, foi a vez de a Praça Marechal Deodoro ganhar grades provisórias, o que também tirou o espaço de moradores de rua que ficavam na área.
Assim como as dispersões, episódios de violência e conflitos com a polícia se multiplicam no centro. Só nesta semana um motorista foi espancado embaixo do Minhocão e um policial foi baleado na perna durante conflito com usuários de drogas na Avenida Rio Branco. Outros casos recentes, como a invasão de um bar em Santa Ifigênia, também chamam a atenção. “O cercamento da Praça Princesa Isabel até gerou melhora visual, mas não teve solução em grande escala”, diz André Oliveira, de 38 anos, que comanda uma lanchonete na região há uma década. Ele afirma ter contratado, com mais lojistas, uma empresa de segurança. “Pago R$ 300 por mês.” Mas a clientela nunca voltou a ser a mesma.
Há 22 anos trabalhando em Santa Ifigênia, o vendedor Ricardo Robles, de 46 anos, conta que até corria por esporte na Princesa Isabel antes da pandemia. “Agora é sem chance. Todo mundo tem pressa para ir embora”, diz. Depois que os dependentes químicos passaram a circular pelo bairro, a loja em que trabalha reduziu o horário de fechamento para as 17h, assim como fizeram estabelecimentos vizinhos. As vendas, conta, vão de mal a pior.
REABERTA
A Praça Princesa Isabel foi reaberta recentemente como parque, com aval da Câmara Municipal, após passar por um processo de revitalização. Em visita à praça na tarde de quarta-feira, a reportagem encontrou menos de dez pessoas usando o espaço – praticamente a mesma quantidade de guardas-civis metropolitanos (GCMs) que vigiavam um dos portões de entrada.
Nascido e criado no bairro, o passeador de cães Gabriel Camilo, de 35 anos, era um dos que estavam lá. “Há uns anos, era comum ter até campeonato de futebol. Era uma praça alegre. Isso tudo se perdeu”, afirma. “E onde já se viu uma praça sem bancos ou lixeiras?”
A Prefeitura informou que as obras de revitalização compreendem três etapas. A primeira, já concluída, foi a recomposição de equipes de corte de mato, poda, limpeza e reparos. Na segunda fase, foi contratada empresa para colocar o gradil. Na terceira, com término previsto para março, será contratada empresa para reformar a área de passeio, a quadra e instalar playground.
INSEGURANÇA
Nas imediações da Praça Marechal Deodoro, o clima de insegurança também predomina. Para Josenaldo Costa, de 46 anos, a pandemia já havia atrapalhado, mas a situação piorou ainda mais. “São muitas portas e comércios fechados”, diz ele, dono de um estabelecimento nos arredores. O cercamento e a revitalização, continua, não resolvem a situação.
A reportagem acompanhou o fluxo da Cracolândia ao longo de uma tarde. Os relógios marcavam quase 15h de quarta, um dia após o espancamento do motorista, quando o grupo começou a se movimentar mais uma vez. Após a aproximação de um carro da GCM, parte dos dependentes químicos recolheu os pertences na frente de um hotel na Rua Barão de Campinas, entre as Ruas Vitória e dos Gusmões, e caminhou para a rua de trás. Outros demoraram a entender a mudança, mas logo foram atrás. “Vamos, outra rua”, chamou um homem.
As dispersões do fluxo viraram rotina na região de Santa Ifigênia neste ano. Chegando na Rua Conselheiro Nébias, os dependentes químicos se estabeleceram em frente a uma agência bancária desativada e alguns deles voltaram a usar pedras de crack. Os comerciantes ficam de olho na movimentação, para saber se era o caso de baixarem as portas.
No último mês, a Polícia Civil prendeu quatro pessoas em flagrante na Marechal Deodoro por tráfico de drogas. Com eles, havia mais de 800 gramas de crack, droga que possivelmente seria levada para venda na região de Santa Ifigênia e, mais especificamente, na Rua Helvétia. “Era uma quantidade considerável”, afirma o delegado Severino de Vasconcelos, titular do 77.º Distrito Policial (Santa Cecília).
A hipótese principal da polícia é de que, enquanto o fluxo da Cracolândia se concentrava em outros locais, o chamado “entreposto” não existia na Marechal. Com a movimentação do fluxo, as pedras passaram a ser escondidas em barracas e em caixas de inspeção da praça. A polícia acredita que o local abrigava membros do Primeiro Comando da Capital.
Poucos dias após a ação da polícia, a Prefeitura de São Paulo dispersou a população de rua na Marechal Deodoro e começou o cercamento provisório da praça para revitalização. “Mesmo quem não tinha nada a ver com tráfico acabou sendo afetado”, conta Fátima Braz, de 65 anos, quase três deles na rua. Com a dispersão, ela diz que alguns moradores de rua foram para mais longe, outros para abrigos e boa parte seguiu para debaixo do Minhocão, a poucos metros de onde ficavam antes. “A questão é que ali não cabem muitas barracas. Muitos, como eu, só deixam colchão ou papelão no chão.”
Membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e coronel da reserva da Polícia Militar, Alan Fernandes alerta que a estratégia de espalhar o fluxo causa efeitos colaterais na cidade. Ele não avalia as operações deste ano como eficientes. “Por mais que se prenda pessoas, a insegurança que se trouxe não é bem um resultado esperado pela população.”
AÇÃO
A Secretaria de Segurança Pública informou que representantes das Polícias Civil e Militar fizeram uma reunião nesta semana para discutir a criminalidade. O policiamento foi reforçado com o emprego de 37 viaturas e mais de 150 policiais na área.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.