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  • 23/jun 08:00
    Por Ataualpa A. P. Filho

    Que o homem é um animal social, todos sabem. Contudo, o questionamento que se faz está voltado para a forma como se relaciona com o seu semelhante no meio em que vive. As agendas cheias de compromissos, as ocupações, as metas estabelecidas em busca do aumento de produtividade têm roubado o prazer de desfrutar momentos de paz interior. A solitude consiste nessa opção pelo recolhimento para abrir janelas e olhar para dentro de si, sem medo da própria consciência. É preciso aprender a falar consigo com a linguagem da alteridade. Manter um diálogo introspectivamente faz bem.  É preciso ter tempo para si. E, para que isso ocorra, o silêncio é fundamental.

    Escutar-se hoje é uma árdua tarefa. Conhecer-se é o desafio socrático que atravessa milênios. Ainda é grande o número de pessoas que se desconhece. Há os que têm medo de estar consigo. Não há autoconfiança sem autoconhecimento. Não é necessário “gps”, nem carta náutica para navegar dentro de si. Basta estabelecer o encontro consigo: colocar os pensamentos em ordem, avaliar as atitudes, repensar o tratamento dado às pessoas, enxergar a beleza da natureza. Buscar, nas palavras, a poesia nossa de cada dia…

    Desintoxicar é um exercício que favorece a saúde mental, pois exclui a negatividade enraizada no ódio. O bem faz bem. A “gentileza gera gentileza”. O amor produz amor. Iluminar-se consiste em manter acesa a luz que há dentro de si. A essência humana só é possível ser encontrada dentro de nós. Não está à venda em nenhum shopping center. As relações humanas só são verdadeiramente humanas quando desarmadas, por isso que o abraço é confortante quando emana empatia.

    É preciso amar em legítima defesa. O vazio que há dentro do homem é que o faz vender a própria alma. Fato este que revela as sequelas provocadas pela ausência do amor. O homem tornou-se o pior animal selvagem da face da Terra. É o ser mais nocivo do planeta. Mas acredito que podemos mudar esse quadro. O primeiro passo consiste em “amar o próximo como a si mesmo.” Com resiliência, devemos iniciar essa mudança no ambiente em que vivemos.

    Li, mais de uma vez, o livro “Procurando Respostas” de Christiane Michelin e Sérgio Machado Salim, fruto da troca de mensagens que efetuaram por vias eletrônicas. Ambos foram corajosos em expor publicamente momentos de fragilidades emotivas, porém de suprema delicadeza. O abrir o coração e expor feridas cravadas pelo destino somente é possível quando se tem a segurança de um ombro amigo. No citado livro, há um volume de reflexões que conduz à solitude, isto é, expõe o estado de equilíbrio, de harmonia quando se encontra a paz interior.

    É válido mencionar que solitude é diferente de solidão. Esta é cheia de vazio, espaço propício para as angústias provocadas pelo desencontro consigo. Na solidão, o mundo interior é um deserto, é árido, distante dos laços afetivos. Por isso não se pode perder a chance de doar-se, de içar bandeiras brancas dentro de si. Há momentos em que o ato de dar as mãos é a alternativa mais sensata para unir forças e seguir. A paz também é exigente, requer conciliação, perdão, renega o sentimento de vingança, rejeita o ódio, o rancor e não aceita covardia. Contudo, é o tempo que aprimora o gosto pelo simples.

    O processo reflexivo que se encontra no livro “Procurando Respostas” aponta para a dialética da vida, em que o atual é o atuante, por isso rompe a inércia que trava as mudanças de rota. O viver é um ato contínuo. Somos provisórios, mas constantes, guiados pela perspectiva da eternidade, mesmo com a consciência da nossa efemeridade. Nessa obra, é possível sentir a consonância de ideias e a harmonia de um pensar voltado para a construção do ser, por meio de uma linguagem acessível dentro do coloquialismo familiar que permite questionar atitudes e atos inseridos no cotidiano.

    É possível repensar a rotina para avaliar as mudanças de rotas. O viver não tem a mesma precisão do navegar, pois os ventos que sopram as velas das vivências não são tão precisos como das navegações marítimas. “Navegar é preciso, viver não é preciso” (“navigare necesse; vivere non est necesse”) já diziam experientes navegadores antes de Fernando Pessoa.

    Vejo a solitude como uma forma de vencer a anedonia, que consiste na perda da capacidade de sentir prazer na execução de atividades que antes eram consideradas agradáveis. O “eu” pode ser um “nós” quando caminhamos juntos em busca do bem comum.

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