• Só três em cada 10 brasileiros esperam alta da tolerância política em 2023

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  • 16/01/2023 17:00
    Por Davi Medeiros / Estadão

    O presidente Luiz Inácio Lula da Silva comanda um País fraturado, sem expectativa de reconciliação no curto prazo. Somente três em cada dez brasileiros dizem acreditar que a tolerância entre os cidadãos aumentará em 2023, segundo levantamento do instituto de pesquisa Ipsos. A percepção negativa está atrelada ao cenário de polarização política, que não mostra sinais de arrefecimento.

    Os atos golpistas em Brasília, no fim de semana passado, reforçam a sensação de intolerância. Apoiadores extremistas do ex-presidente Jair Bolsonaro promoveram uma série de atos de violência na Praça dos Três Poderes, com invasão e depredação do Palácio do Planalto, do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF). Vândalos foram presos em massa, além de autoridades da segurança pública do Distrito Federal.

    Lula até tentou recorrer ao discurso da “frente ampla” durante a campanha e a formação do Ministério. Porém, segundo o CEO do Ipsos, Marcos Calliari, o levantamento mostra que o resultado das urnas não foi suficiente para levar ao aumento expressivo na percepção da sociedade quanto à tolerância política. “O enraizamento da polarização é tão grande que ela segue presente mesmo após uma eleição que em tese poderia dirimir qualquer rivalidade”, afirmou.

    O levantamento do instituto – realizado no fim do ano passado em 36 países para captar os sentimentos para este ano e divulgado no início de 2023 – indica que a média global de percepção de tolerância é de 34%, considerada baixa. O índice é o mesmo no Brasil. Em toda a amostra, foram 24.471 pessoas entrevistadas. Já no Brasil, foram ouvidas mil pessoas, com margem de erro de 3,5%, para mais ou para menos.

    Para 2023, 56% dos brasileiros entrevistados disseram esperar menos tolerância no País. De acordo com Calliari, o cenário de intolerância é um fenômeno mundial que não se restringe ao Brasil. “O momento é muito preocupante de maneira geral. Há divisão em especial na política, mas também de classes sociais, religiões, racial e de gênero”, afirmou.

    Conciliação

    Nesse cenário, o cientista político e professor da Sciences Po Paris Miguel Lago disse que Lula deve se conciliar com os eleitores de direita que, independentemente de votar em Bolsonaro, acreditam na democracia. O saldo da invasão das sedes dos três Poderes no domingo, segundo ele, pode ter sido positivo nesse sentido ao afastar os moderados do radicalismo.

    “O ato de domingo trouxe uma oportunidade de a classe política inteira abraçá-lo (Lula). Tem várias maneiras de atrair essa parcela da população para um discurso de união nacional. A capacidade de condenar essa atividade (a invasão) é um prenúncio de que é possível arregimentar forças em defesa da civilidade”, disse o cientista político.

    Não é possível extinguir subitamente a polarização, afirmou o cientista político, mas o atual presidente precisa trabalhar para que o País funcione e a sociedade consiga coabitar. A grande questão, segundo ele, é separar os atores que estão inseridos no jogo democrático daqueles que não estão. Ele defende que estes, diferentemente dos moderados, devem ser isolados, em vez de tolerados.

    “A extrema direita não está no jogo democrático. Pode haver grande quantidade de pessoas de direita que votaram em Bolsonaro, mas o bolsonarismo é um movimento de extrema-direita, e eu não acho que seja possível uma reconciliação com esse movimento. Ele precisa ser derrotado”, disse Lago.

    Convergência

    Nara Pavão, cientista política e professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), apresentou argumentos semelhantes ao de Lago. Segundo ela, Lula conseguiu consolidar no governo o apoio de partidos de esquerda e direita. Agora, o desafio será baixar a temperatura na sociedade, na qual a polarização se mostra ainda muito forte e com sinais de que veio para ficar.

    De acordo com Nara, o petista precisa buscar a aprovação daqueles que votaram em Bolsonaro por questões circunstanciais, mas que não se identificam profundamente com o ex-presidente nem rejeitam fortemente o PT. Para isso, uma possibilidade será evitar o foco no embate político-partidário e focar em pautas unânimes, como o crescimento econômico e a diminuição de pobreza.

    Para Nara, no entanto, tanto o governo quanto o bolsonarismo ganharam com os ataques golpistas. A opinião pública se mostrou contrária à violência e a favor da punição, mas o bolsonarismo mostrou força e capacidade de mobilização. “Foi uma demonstração de poder do bolsonarismo, também. Desastrosa no princípio, mas conseguiram se reposicionar atribuindo a violência a infiltrados. Isso cola com uma parcela da população e os fortalece”, afirmou.

    Paradoxo

    O diretor do instituto de pesquisa Quaest e cientista político Felipe Nunes evocou o conceito de “paradoxo da tolerância”, elaborado pelo filósofo Karl Popper no século passado, para refletir o Brasil atual. Segundo o autor inglês, pelo bem da democracia, os “intolerantes” devem deixar de ser tolerados quando passam a impor o seu desejo por meio da violência.

    Nunes relacionou o conceito ao vandalismo bolsonarista na capital federal. Ele afirmou que houve uma mudança clara de postura do Estado e dos atores políticos após o episódio.

    “Extremistas se reuniam em quartéis pedindo intervenção antidemocrática, e a sociedade tolerou. Mas, com a violência manifesta no domingo, esse limite foi ultrapassado. Se vivermos numa sociedade de tolerância ilimitada, colocamos em risco a própria tolerância em si”, afirmou. De acordo com ele, a resposta das instituições aos grupos radicais deve ser forte.

    Segundo os especialistas ouvidos pelo Estadão/Broadcast, a popularidade das redes sociais é um fator importante para se pensar a intolerância política. O comportamento dos perfis nas plataformas digitais tem impacto direto na maneira como os cidadãos dialogam, se aliam ou se opõem uns aos outros.

    Em entrevista ao Estadão/Broadcast em novembro, a professora Letícia Cesarino, que comanda um grupo de estudos sobre redes sociais na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), afirmou que o modelo de organização da maioria das redes sociais se baseia na segmentação de públicos. Esse processo contribui para a intolerância e a polarização.

    “Os algoritmos conectam igual com igual, e o que está se observando é uma tendência a intensificar um ‘viés de confirmação’, que é quando a pessoa recebe conteúdos que reforçam sua identidade. No caso da política, isso acaba virando um viés de bifurcação, ou seja, potencializa tanto a formação de identidade do indivíduo que divide o campo político em dois lados, em que um se vê como espelho invertido do outro”, disse Letícia.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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