Só o amor vence o ódio anti-vida do bolsonarismo
Foi eleito presidente do Brasil uma figura sinistra, claramente possuída pela pulsão de morte e de ódio. Parece ter sofrido uma lobotomia, pois estranhamente estão ausentes nele quaisquer sentimentos de empatia face às milhões de famílias enlutadas pela ação mortal do Covid-19. Fez-se aliado dele, pois o minimizou, ridicularizou e combateu, sendo responsável por grande parte das mais de 600 mil de vítimas. A distorção da realidade, as fake news e a mentira compõem o cardápio da política governamental. Semeou o ódio e espírito de vingança entre seus seguidores e apoiou práticas criminosas com referência à Amazônia e discriminatórias à população indígena, negra, quilombola, de outra condição sexual e, em geral, aos pobres e marginalizados.
Esta triste figura, que não possui um centro psíquico, conseguiu trazer à tona as várias sombras que acompanham a nossa sociedade, desde o genocídio indígena, da colonização, do escravismo e da dominação das elites opulentas, que sempre ocuparam o estado e seus aparelhos em benefício próprio e à custa do bem-estar das grandes maiorias. Liberou a dimensão diabólica (que divide), que habita nos porões escuros da psiqué pessoal e coletiva, a ponto de escantear a dimensão simbólica (a que une), aquela que nos faz verdadeiramente humanos e sociáveis. O assassinato, por razões políticas, em Foz do Iguaçu por um bolsonarista não exime de responsabilidade moral o presidente, pois ele deu a senha para o uso da violência.
A essa onda de ódio, que está tomando várias nações no mundo, mas de forma exponencial entre nós, fez com que o eminente intelectual norte-americano Noam Chomsky, casado com uma brasileira, dissesse recentemente:“O Brasil é uma espécie de caso especial; raramente vi um país onde elementos da elite têm tanto desprezo e ódio pelos pobres e pelo povo trabalhador”.
A esse ódio devemos contrapor o amor, a amorosidade, na linguagem de Paulo Freire: promover aqueles valores que ele, seus filhos e seus seguidores jamais poderão se referenciar: como o amor, a solidariedade, a fraternidade, o cuidado de uns para com os outros e para com a natureza, o direito de cada um de possuir um pedacinho de Terra, a Casa Comum, que Deus destinou a todos, uma moradia decente, o cultivo da compaixão para com os sofredores, o respeito, a compreensão, a renúncia a todo espírito de vingança, a transparência dos atos governamentais e o direito de ser feliz . Todos estes valores são negados teórica e praticamente pela verdadeira seita bolsonarista.
Abordarei o tema do amor não no sentido ético/moral, filosófico e teológico. Basear-me-ei somente em sua base biológica, tão bem formulada pelos cientistas Humberto Maturana e James D.Watson, que junto com Francis Crick, em 1953, decodificou o código genético.
O biólogo chileno Humberto Maturana, em seus estudos sobre a autopoiesis, vale dizer, sobre a auto-organização da matéria da qual resulta a vida, mostrou como o amor irrompe de dentro do processo evolucionário. Na natureza, afirma ele, se verificam dois tipos de conexões – ele chama de acoplamentos – dos seres com o meio e entre si: um necessário, ligado à própria subsistência e outro espontâneo, vinculado às relações gratuitas, por afinidades eletivas e por puro prazer, no fluir do próprio viver.
Quando esta última ocorre, mesmo em estágios primitivos da evolução, há bilhões de anos, surge a primeira manifestação do amor como fenômeno cósmico e biológico de relacionamentos mútuos. Na medida em que o universo se expande e se complexifica, essa conexão espontânea e amorosa tende a incrementar-se. No nível humano, ganha força, faz-se um projeto consciente de vida e se torna o móvel principal das ações humanas (Cf. A árvore da vida: a base biológica do entendimento humano,1955).
O amor se orienta sempre pelo outro. Significa uma aventura abraâmica, a de deixar a sua própria realidade e ir ao encontro do outro, homem ou mulher, e estabelecer uma relação de afetividade, de aliança vital e de amor.
Whatson, em seu volumoso livro DNA:o segredo da vida (2005) afirma explicitamente:
“No DNA, o manual de instruções da criação humana, o amor pertence à essência do ser humano. Embora eu não seja religioso não deixo de ver elementos profundamente verdadeiros, escritos por São Paulo na sua primeira Carta aos Coríntios (13,1-13):”ainda que eu falasse línguas, a dos homens e as dos anjos…ainda que tivesse o dom da profecia, o conhecimento de todo os mistérios e de toda a ciência…se não tivesse o amor nada seria”. Continua Whatson: “Paulo, no meu entendimento, revelou com clareza a essência de nossa humanidade; o amor, esse impulso que nos faz ter cuidado com o outro, foi o que permitiu a nossa sobrevivência e sucesso no planeta; é esse impulso, creio, que salvaguardará o nosso futuro…tão fundamental é o amor à natureza humana, estou certo de que a capacidade de amar está inscrita em nosso DNA; um Paulo secular como eu diria que o amor é a maior dádiva de nossos genes à humanidade” (p.413-414).
Como se depreende, quem faz tais afirmações são cientistas da maior seriedade e de reconhecimento internacional. O amor pertence à nossa natureza essencial. Agindo contra ele, como o faz o presidente e o bolsonarismo, se colocam na contramão da humanidade e da lógica do universo. Daí sua maldade e perversidade.
A sociedade brasileira não pode se construir sobre esta barbárie e anti-humanismo. O povo deverá rejeitar sua reeleição, não só por razões ético-morais-políticas e de bom senso, mas também por razões científicas.
De sua boca ouvi e de seu exemplo aprendi o que meu pai legou a toda família: “Quem não vive para servir, não serve para viver”. O atual presidente não serve o povo brasileiro; pior, nega aquela única energia que cresce e se renova quanto mais é vivida e doada: o amor. Amor, repito, negado ao povo brasileiro, à natureza e à Mãe Terra.
Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escreve: Brasil: concluir a refundação ou prolongar a dependência, Vozes 2018; A busca da justa medida, Vozes 2022.