• ‘Snake Eyes’: mais do que uma vingança

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  • 11/10/2021 08:54
    Por Rodrigo Fonseca, especial para o Estadão / Estadão

    Estima-se que as rendas do filmes produzidos por Lorenzo di Bonaventura – um nova-iorquino de 64 anos, famoso no cinema desde 2005, quando lançou Constantine – beiram os US$ 7 bilhões de faturamento. Só os cinco filmes da franquia Transformers (mais o spin-off Bumblebee) seriam suficientes para fazer dele um Midas no dito “cinemão”, uma palavra que costumava designar um mercado dos mais rentáveis, sempre centrado em superproduções comerciais. Algumas delas têm como base brinquedos, caso de um transformer como Optimus Prime, ou dos Comandos em Ação, como eram chamados aqui, nos anos 1980, os G.I. Joe, personagens centrais de Snake Eyes, o mais recente trabalho de Bonaventura para o circuito.

    Já disponível na plataforma Paramount Home Entertainment, o filme narra a saga de vingança de um guerreiro marcial (vivido pelo ator malaio Henry Golding), cuja revanche contra os assassinos de seu pai esbarra com uma conspiração mundial feita pela célula terrorista Cobra, caçada por militares chamados Joes. Lançado em poucos territórios estrangeiros no dia 23 de julho, o longa-metragem, pilotado pelo diretor alemão Robert Schwentke (de O Capitão e Plano de Voo) faturou cerca de US$ 30 milhões, mas sem expandir sua presença nas salas exibidoras da América Latina, impressionando críticos pelo fino acabamento de suas cenas de ação.

    “Estamos vivendo um momento histórico em que se procura a melhor forma de experiência audiovisual, com os streamings cada vez mais ativos. Mas a experiência da coletividade vai ter uma sobrevida ainda, pelo que ela representa de partilha emocional, pela chance de nos permitir uma troca com os demais espectadores. Mas é fato que as coisas estão mudando. Há uma mudança em que você terá, cada vez mais, um punhado de filmes destinados a pequenos grupos, a serem vistos em outros suportes, e terá alguns filmes para desfrutar coletivamente”, diz Bonaventura, ao Estadão, via Zoom. “O maior desafio é tornar cada história dessas, seja para onde ela for, uma vivência surpreendente.”

    Que fator surpresa pode haver em um longa como Snake Eyes, que dialoga com uma série de desenhos animados lançada em 1983, sob a supervisão do lendário quadrinista Larry Hama, baseados em bonequinhos articulados da Hasbro? Bom, com o aporte dado por Boaventura a Schwentke, o que poderia se resumir a uma saga militarizada entre tropas rivais – algo nada bem-vindo neste momento de descarrego das narrativas alimentadas por Donald Trump – virou um estudo quase antropológico sobre as culturas bélicas do Oriente e um resgate de um filão: os filmes de ninja. “Confiamos em Schwentke justamente por ele ter um interesse pelos filmes de samurai do cinema japonês clássico e se interessar pelo universo de assassinos silenciosos da Ásia”, diz Boaventura, que foi um executivo na Warner Bros nos anos 1990 e fez o estúdio se interessar por duas propostas curiosas que lhe chegaram aos ouvidos: um tal de Matrix e um aprendiz de mago chamado Harry Potter.

    “O trabalho de um produtor é encontrar um cineasta que torne sua ideia melhor, artisticamente, tendo sempre em mente que as plateias se guiam pela força de um bom personagem. Quem poderia jurar que alguém pudesse se interessar por um escritor fóbico e grosseiro que destrata vizinhos e evita pisar nas linhas do passeio público quando anda? Bom, quando Jack Nicholson leu essa premissa, no roteiro de Melhor Impossível, ele soube encontrar e compartilhar conosco a força dessa figura. Snake Eyes é uma figura complexa, cheia de sombras, buscando o certo.”

    Visualmente, desde as animações dos anos 1980, exibidas aqui no Xou da Xuxa, Snake Eyes se veste e age como os ninjas, classe de matadores e ladrões da Ásia feudal que se candidatou a uma vaga na cultura pop no fim dos anos 1970, a partir das coproduções entre Hong Kong e Coreia com o ator Mun Kyong-sok, mais conhecido como Dragon Lee.

    Silver Ninja (1978) é a mais famosa por aqui. Eles ainda ganharam um aporte das HQs da Marvel, com a assassina Elektra, delineada na pena do quadrinista Frank Miller. O fascínio provocado por esses combatentes mascarados, armados com lâminas, bastões e foices dos mais exóticos – sem contar as shurikens, estrelinhas de metal afiado -, abriram precedente para a criação de um filão B, que se alinha com o chamado “cinema explotation”, deflagrado pelo sucesso de Bruce Lee, em especial Operação Dragão (1973). Filão este que aproveitou desde Franco Nero (como protagonista de Ninja, a Máquina Assassina, de Menahem Golan) até as irmãs Lana Lilly Wachowski, do já citado Matrix, passando por Michael Dudikoff, na cinessérie American Ninja, iniciada em 1985. Associado sempre à ideia de um cinema B, a mitologia dos ninjas se “gourmetiza”, ou seja, requinta-se) com Snake Eyes, que explora a origem dos G.I. Joe.

    “Neste momento de covid-19 no mundo, a busca por uma ideia de bondade, ainda que complexa, fascina as pessoas”, diz Bonaventura. “O que tentamos aqui foi abordar a luta eterna do bem contra o mal para além dos chavões do maniqueísmo, com um herói que toma decisões controversas, por vezes, ruins.”

    Apostando num refinamento visual hoje cada vez mais buscado (mas raramente encontrado) pelo cinema de ação, garantido pela fotografia saturada de Bojan Bazelli, a direção de Schwentke em Snake Eyes consegue equilibrar a essência do universo G.I. Joe com a matriz B dos filmes de ninjas dos anos 1970 e 80, produzindo um belo tributo a esse legado de outrora, ao mesmo tempo em que dialoga com a estética cinemática à la John Wick, onipresente hoje em longas de perseguição.

    “O ponto cultural mais forte da dramaturgia de Snake Eyes é a combinação de mitologias ocidentais e orientais na mesma figura e a possibilidade de explorarmos a organização dos clãs”, diz Bonaventura, que assina um dos filmes mais esperados pela “streaminguesfera” este ano: Infinite, de Antoine Fuqua, com Mark Wahlberg.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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