Servidor diz que Bolsonaro pediu dados de votação de Lula em territórios do CV
Em audiência no Supremo Tribunal Federal (STF) na manhã desta segunda-feira, 14, o analista de inteligência Clebson Ferreira de Paula Vieira afirmou que a gestão Bolsonaro lhe pediu cruzamento de dados entre o desempenho do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e cidades com bom desempenho do PT e áreas dominadas por organização criminosa no Rio de Janeiro.
Policial militar lotado Coordenação-Geral de Inteligência do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) durante a gestão de Anderson Torres, no governo Bolsoanro, Vieira depôs como testemunha de acusação do núcleo 2 da suposta tentativa de golpe de Estado, em julgamento no STF.
O grupo, formado por seis réus, é acusado de elaborar a chamada “minuta do golpe”, monitorar o ministro Alexandre de Moraes e articular ações com a Polícia Rodoviária Federal (PRF) para dificultar o voto de eleitores do PT do Nordeste nas eleições de 2022.
Viera afirmou que mantinha contato com a então esposa via WhatsApp para lhe contar “quando chegava algum tipo de demanda com tipo de viés político-coginitivo referente a tentar ajudar o governo”. Em 21 de outubro de 2022, entre o primeiro e o segundo turno das eleições, ele escreveu à esposa que havia “surgido uma demanda daquelas, diretamente da diretora” e que estava “muito mal, mas tenho que acelerar”.
“Por mais discreto que possa ser esse pedido, eu lembro que tinha mencionado (a ela) que tinha chegado um pedido para tentar ver análise de correlação estatística da concentração de votos em territórios do CV (Comando Vermelho) no Rio de Janeiro, para saber se havia correlação, para ver se o candidato à época Lula tinha maior concentração de votos em área dominada por facção criminosa”, declarou a testemunha.
Ele negou que essa demanda tenha vindo da então superiora, Marília Ferreira de Alencar (delegada e ex-diretora de Inteligência da Polícia Federal e ré na ação penal), mas “num bolo” de outras análises referentes ao segundo turno das eleições. Mas que havia recebido outras duas demandas dela: uma sobre a análise (da votação) nas eleições e outra sobre o efetivo da Polícia Rodoviária Federal (PRF).
“(Eu me declarei muito mal com essa situação) porque a gente, que trabalha na atividade de inteligência, luta por uma atividade de inteligência imparcial, ética, e quando vê pessoas com um mínimo de autoridade tentando destoar disso a gente fica triste, perdido, nossos líderes com um comportamento que vai de encontro à nossa doutrina de inteligência”, disse Vieira.
O analista também reafirmou o que tinha dito em depoimento no STF em maio, quando arrolado como testemunha de acusação no processo em que o ex-presidente Jair Bolsonaro é acusado de tentativa de golpe de Estado.
Na ocasião, ele disse que recebeu encomendas de estudos sobre a distribuição de agentes da PRF às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais de 2022. Naquele pleito, os agentes da corporação fizeram batidas em locais que são redutos eleitorais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Para o depoente, os dados embasaram as operações da Polícia Rodoviária Federal (PRF), no dia da votação do segundo turno em 2022, em cidades em que o PT tinha registrado bom desempenho no primeiro turno realizado semanas atrás. A concentração das batidas da Operação Trânsito Seguro em redutos petistas chamou a atenção, e Moraes, então presidente do TSE, mandou convocar o então diretor-geral da PRF, Silvinei Vasquez, para explicar a razão das ações.
O depoente disse que os dados referentes aos municípios com 75% ou mais de votos para Bolsonaro no primeiro turno foram ignorados por Marília, enquanto ela teria posteriormente se concentrado apenas nos dados sobre Lula.
A primeira manhã de audiências dos núcleos 2, 3, e 4 foi marcada por repetições. A reincidência de perguntas reprisadas pelos advogados dos réus foi alvo de inúmeras advertências do juiz auxiliar do gabinete de Alexandre de Moraes, Rafael Henrique Tamai Rocha. O ministro está de férias.
Réus
No Núcleo 2, além de Marília, são réus Fernando de Sousa Oliveira (delegado da Polícia Federal), Filipe Garcia Martins Pereira (ex-assessor internacional da Presidência da República), Marcelo Costa Câmara (coronel da reserva do Exército e ex-assessor da Presidência), Mário Fernandes (general da reserva do Exército) e Silvinei Vasques (ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal).
No Núcleo 3 figuram como réus três coronéis do Exército (Bernardo Romão Correa Netto, Fabrício Moreira de Bastos e Márcio Nunes de Resende Jr.), cinco tenentes-coronéis (Hélio Ferreira Lima, Rafael Martins de Oliveira, Rodrigo Bezerra de Azevedo, Ronald Ferreira de Araújo Jr. e Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros), o general da reserva Estevam Theophilo Gaspar de Oliveira e o agente da Polícia Federal Wladimir Matos Soares.
Já no Núcleo 4 são réus Ailton Moraes Barros (ex-major do Exército); Ângelo Denicoli, (major da reserva do Exército); Giancarlo Rodrigues (subtenente do Exército); Guilherme Almeida (tenente-coronel do Exército); Reginaldo Abreu, (coronel do Exército); Marcelo Bormevet (agente da Polícia Federal); e Carlos Cesar Moretzsohn Rocha (presidente do Instituto Voto Legal).
Todos respondem pelos crimes de tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.