• Séria A2 do Paulista tem encontro de Lusas, sob comando de técnicos brasileiros

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  • 18/03/2022 16:17
    Por Estadão

    O futebol paulista tem suas peculiaridades, sua história e sua tradição. E seria natural que neste momento, em que a moda pede técnicos portugueses na beira do gramado, os clubes de origem lusitana fossem orientados por treinadores vindos do outro lado do Oceano Atlântico. Mas não é o que acontece: neste sábado a Associação Portuguesa de Desportos e a Associação Atlética Portuguesa se enfrentam no Canindé comandadas por brasileiros – em jogo da última rodada da primeira fase da Série A2 do Campeonato Paulista.

    Os dois clubes são centenários, ambos têm bolinho de bacalhau e servem tremoços em suas lanchonetes e têm uma torcida que vem desde os tempos dos avós. Times de colônia: a Lusa santista desde 1917, a Lusa paulista desde 1920. Mas nem assim se curvaram aos modismos da temporada. O técnico Cristiano Troisi nasceu em Santos e a Cachopa ou Portuguesa Santista – como é conhecida a equipe do litoral – ainda tem uma remota chance de classificação.

    O treinador Sérgio Soares nasceu no bairro da Mooca e a Lusa – como é chamada a equipe paulista – já está garantida na fase seguinte do campeonato, em busca da volta à elite do futebol de São Paulo, onde sempre rivalizou com Corinthians, Palmeiras, São Paulo e Santos.

    Os dois não são favoráveis à essa importação maciça de técnicos portugueses. Os dois foram jogadores de futebol. “Eu não vejo essa necessidade e acho também que o dirigente e a torcida não têm muita paciência com o treinador brasileiro”, afirma Cristiano Troisi, técnico que tem 49 anos e jogou no sub-12 da Portuguesa Santista e depois se profissionalizou no Santos. “Mas uma contusão no joelho abreviou minha carreira de centroavante.”

    “Olha, eu acho o intercâmbio interessante, mas não que seja tão necessário como está acontecendo”, reclama Sérgio Soares, que tem 55 anos, começou no Juventus, jogou no meio-campo de muitas equipes, inclusive no Palmeiras, e também na Arábia Saudita e Japão. “Vejam que o Corinthians ficou um tempo, quase 20 dias, sem treinador oficial sob a alegação de que não tinha técnico brasileiro em condições de assumir o clube e eu não concordo com essa afirmação”, reclama Sérgio Soares.

    Nenhum dos dois foi orientado por técnico português em suas carreiras de atleta, embora vivam o ambiente luso intensamente. Além de ter começado a vida esportiva no Estádio Ulrico Mursa, Cristiano Troisi trabalhou muito tempo na comissão técnica do clube e vivenciou muitas festas dos ranchos folclóricos. “Eu carrego a briosa em meu coração, em meu dia-a-dia”, define.

    Enquanto Sérgio Soares procura mostrar sempre a seus jogadores recém-contratados o tamanho do clube. “Levo o grupo ao Museu do Canindé e mostro a eles quem já vestiu a camisa da Portuguesa. Quero que sintam que estamos aqui para resgatar um gigante, que por vários motivos está fora da elite do futebol nacional.”

    Um gigante que teve jogadores do porte de Júlio Botelho, Pinga, Djalma Santos, Felix, Zé Maria, Jair da Costa, Ivair, Enéas, Denner, Ceci, Brandãozinho, Jair Marinho, Dida, entre outros. Que foi dirigido por Otto Glória, um técnico brasileiro que fez história em Portugal, em uma época em que a moda era a exportação dos treinadores nacionais para Benfica, Sporting e Porto.

    Hoje, o caminho é inverso. “Eu acho interessante e até procuro aprender com o que vejo por exemplo no Palmeiras”, admite Cristiano Troisi, que se pudesse pediria ao treinador Abel Ferreira uma explicação detalhada de seu sistema de três zagueiros, da transição para o ataque e das variações que vem dessa maneira de montar a equipe do Palmeiras. “Se eu acho o Abel medroso? Não, mas ele põe em prática um futebol efetivo de resultado.”

    Já Sérgio Soares acha que a vinda dos portugueses teve o seu grande momento com Jorge Jesus, no Flamengo. “Mas veja bem: ele não trouxe nenhuma novidade. O que ele fez foi resgatar uma característica do futebol brasileiro que estava deixada de lado. Ele pôs em prática o jogo propositivo e bonito. Mostrou que ainda é possível jogar dessa maneira e ganhar.”

    No caso de Abel Ferreira, no Palmeiras, o técnico Sérgio Soares tem lá suas restrições. “O Abel tem o reconhecimento, sim, pelos títulos conquistados, mas eu questiono o modo como o Palmeiras se porta em campo. É um time extremamente reativo, quando pela história e pela qualidade do seu grupo atual de jogadores poderia propor mais o jogo. A valorização do trabalho dele vem com os títulos e eu respeito isso. Mas como ideia de jogo, não vejo nada de novo.”

    Ex-jogadores históricos da Portuguesa da capital, como Wilsinho e Badeco, concordam com a opinião de Sérgio Soares. “Eu acho que essa moda só desvaloriza o técnico brasileiro”, sentencia Badeco, que era o capitão da Portuguesa em 1973, quando dividiu o título do Campeonato Paulista com o Santos de Pelé por erro da arbitragem na contagem dos pênaltis. “Alguns técnicos portugueses deram certo, mas nem todos vão dar certo. O Jesus deu certo no Flamengo porque ele tinha em mãos o melhor time nacional. E o Abel no Palmeiras, porque o clube tem dinheiro. Não vejo motivo para trazer técnicos de lá.”

    Wilsinho acha que essa é um moda passageira. “Fizeram tanto auê com o Jesus e ele quis ir embora do Flamengo. E agora ele está fora do Benfica. Eu até gosto do sistema de desenvolvimento dos técnicos lá em Portugal: começam na base e vão subindo degraus. Mas não vejo necessidade de o Brasil importar só por esse motivo. Eles não me encantam nem me empolgam, embora o técnico do Palmeiras seja trabalhador, dê chance para a molecada e apresente um time motivado em campo.”

    De resto, Wilsinho não vê nada muito diferente. “Eu joguei no Juventus que era treinado pelo Milton Buzetto e ele era tido como retranqueiro. Jogávamos no contra-ataque, com velocidade”, relembra o ponta-esquerda do Moleque Travesso. O ataque: Ataliba, Geraldão e Wilsinho. “Também jogávamos por uma bola, como o Palmeiras muitas vezes joga e o Buzetto era chamado de o Rei da Retranca.”

    Enfim, a moda dos técnicos portugueses provoca muita polêmica e discussões. Mesmo em um país multiétnico como o nosso. “Meu avô Tobias era italiano e era um violonista famoso”, conta Cristiano Troisi. Sérgio Soares anda feliz por dirigir um time de colônia. “Isso nos remete à história de vida de nossos pais e nossos avós. E isso mexe um pouco mais com a gente e a torcida”. Acreditem: Sérgio Soares é descendente de português por parte de pai. “Meu avô se chamava Manuel”.

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