• Será que nos esquecemos de Roberto Campos?

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  • 27/08/2022 08:00
    Por Gastão Reis

    O Brasil nos passa a sensação de funcionar com um mecanismo de retardo sempre presente. A melhor frase foi a do multifacetado Câmara Cascudo ao dizer que “O Brasil não tem problemas, apenas soluções adiadas”. Ainda me recordo de um ex-consultor do SEBRAE, que tinha clientes na África de língua portuguesa, me dizendo que Roberto Campos é que tinha razão. E isso, após confessar ter sido um crítico feroz dele, como ocorreu com muitos outros.

    A seguir, farei um breve resumo de algumas tiradas de Roberto Campos em que abordarei minhas concordâncias e uma discordância fundamental no contexto do magistral legado que nos deixou em direção ao bom caminho do desenvolvimento sustentado. E que nós preferimos ignorar na prática, optando por um processo de crescimento medíocre desde 1980, a primeira das décadas perdidas seguidas por outras, que já somam quase meio século.

    Iniciaria com sua visão sobre a constituição de 1988, com imensa participação de grupos de interesse e sem espaço para a defesa do bem comum numa visão de longo prazo. A mais dura delas foi a seguinte: “Os estudiosos do Direito Constitucional aqui e alhures não buscarão no novo texto lições sobre a arquitetura institucional, sistema de governo ou balanço de poderes. Em compensação encontrarão abundante material anedótico”. Além desta, afirmou que, nela, a lógica econômica havia entrado de férias. E pede desculpas ao Dr. Ulysses, afirmando que não dá para escrever constituições dessa maneira.

    Campos foi certeiro ao prever que a Carta de 1988 era bem mais um meca-nismo de travamento do que de desenvolvimento do País. Um olhar isento para a taxa de crescimento do PIB real per capita nessas últimas décadas constata a marcha lenta e a crescente desigualdade social. A constituição dita cidadã parece que esqueceu o cidadão, em especial os mais pobres.

    As raízes mais recentes estavam lá nos governos Costa e Silva e Geisel. O primeiro, segundo Campos, foi um desastre histórico para o Brasil ao travar a continuação das reformas Campos-Bulhões. E o segundo foi a identificação de Geisel com teses “nacionalistas” e estatizantes. Estranhamente, bandeiras queridas das esquerdas e contrárias a tudo que Roberto Campos defendia. Os economistas Gustavo Franco e José Pastore, em livros recentes, comprovam tais desacertos com análises bem fundamentadas.

    Na questão civis versus militares, Campos observa que “O erro dos militares foi não terem feito a abertura econômica antes da abertura política; o erro dos civis foi, depois da abertura política, praticarem uma fechadura econômica”. Dentre outros, um triste exemplo desta última foi proibir a contratação de professores estrangeiros nas universidades públicas, asneira monumental da Carta de 1988, depois modificada. É como cortar relações com a inteligência. Ilustra bem o que Campos havia dito sobre “a burrice no Brasil ter um passado glorioso e um futuro promissor”. Após burrice faltou apenas o adjetivo republicana, no caso, com força de substantivo.

    Acredito que a melhor homenagem que poderíamos prestar a um patriota do calibre dele seria reler e meditar sobre seu discurso de estreia no Senado Federal, em Brasília, em 8 de julho de 1983, intitulado “As lições do passado e as soluções do futuro”. Beira o inacreditável que as lições (e desacertos) do passado não configurem, ainda hoje, as soluções do futuro recomendadas por Campos. Exceto pelo controle da inflação com o Plano Real e a liberdade de imprensa, avançamos muito pouco nas sensatas propostas feitas por ele. (Este discurso é facilmente acessado nos anais do site do Senado Federal).

    É impossível no espaço deste artigo arrolar todas as providências a serem tomadas na visão de Campos. Mas cabe mencionar as incompreensivelmente pendentes desde 1983. Ele nos fala da necessidade de mudanças atitudinais, estruturais e institucionais. Prega a estabilidade das regras do jogo, que são sempre alteradas. Combate o falso dilema entre “exportações versus mercado interno”. O sucesso do agronegócio brasileiro beneficiou a oferta de produtos agrícolas a preços acessíveis para a população.

    Defendeu ainda a redução ou eliminação dos subsídios, o disciplinamento das estatais e a redução do mastodôntico setor estatal brasileiro em favor da iniciativa privada. Clama pela reforma tributária, sempre postergada. E se preocupou com a indústria nacional, que hoje continua a arcar com uma carga tributária absurda (mais de 40%!) inexistente nos países desenvolvidos. Os 6% de taxação do agronegócio explicam, em boa medida, seu sucesso, capaz de alimentar três Brasis.

    Na questão das reformas estruturais, ele faz menção a medidas como independência do Banco Central, finalmente resolvida, e um orçamento consolidado impositivo, que passamos a ter em termos (vide orçamento secreto), ao invés da esquizofrenia de seu tempo (1983) dos três orçamentos: o fiscal, o monetário e o (incontrolável) das estatais, um verdadeiro samba do crioulo doido.

    Vamos por fim à parte institucional em que Roberto Campos nos revela, com firmeza, as inconsistências da presença militar na política e na economia, já destacadas neste artigo. Mas sem se dar plena conta da conivência secular das lideranças civis e de sua dificuldade em dizer aos nossos miliares o que desejamos deles, pagadores que somos de seu soldo, dando um basta à tendência de tentarem dar ordem unida à sociedade civil. Os grandes males advindos dessa postura deles, da qual Caxias jamais teria participado, não se restringiram à segunda metade do século XX. Na verdade, perdura até hoje.

    E isso nos leva de volta ao fatídico 15 de novembro de 1889. Foi um golpe militar que pôs abaixo instituições capazes de controlar os desmandos do andar de cima. Este continua a festejar uma moldura institucional a seu gosto na linha da corrupção sistêmica, manutenção de uma desigualdade brutal e políticos que não nos representam. O desastre institucional pode ser aferido na página 213 do meu livro “História da Autoestima Nacional”, lançado em Petrópolis, no Rio de Janeiro e a ser lançado em São Paulo em 8 de setembro próximo. A edição digital deverá estar disponível até o fim deste mês de agosto.

    Nota (*): Link para um vídeo meu, “História do Brasil mal contada”,

    gravado no programa DOIS MINUTOS COM GASTÃO REIS:

    https://www.youtube.com/watch?v=eItrRRkiiAU

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