• Senado debate mudanças no Código Civil que vão de rede social no testamento a direitos LGBT+

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  • 17/abr 12:17
    Por Gabriel de Sousa / Estadão

    O plenário do Senado vai discutir nesta quarta-feira, 17, o anteprojeto de atualização do Código Civil. O trabalho de revisão esteve a cargo de uma comissão de juristas presidida pelo ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça (STJ). A proposta trata de transmissão hereditária de contas nas redes sociais, critérios para criação de imagens de pessoas mortas por inteligência artificial, ampliação do conceito de família, reconhecimento jurídico de pets e regulamentação da doação de órgãos.

    A comissão de 40 juristas que elaborou a reforma do Código Civil foi instaurada em agosto do ano passado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Foram propostas alterações em todos os livros do código e a criação de um novo, que vai regular o direito digital.

    O Código Civil é um conjunto de normas que impactam o dia a dia dos cidadãos brasileiros, como regras sobre casamento, divórcio, herança e contratos. A atual legislação foi sancionada em 2002 e entrou em vigor no ano seguinte, em substituição à lei anterior, de 1916. Até 2023, o Congresso havia feito 63 alterações no código. A proposta de mudanças feita pelo colegiado é ampla e sugere mais de mil revisões e atualizações na lei.

    A apresentação do anteprojeto está marcada para 11h. Após a fase de discussões, a proposta vai tramitar por comissões do Senado e será apreciada pelo plenário da Casa.

    Contas do Instagram poderão ser transmitidas após falecimento

    Em um capítulo nomeado “Direito Digital”, os juristas definiram que os brasileiros poderão transmitir o seu “patrimônio digital” em testamento. O objetivo da mudança é garantir aos sucessores a possibilidade de acessar conteúdos do falecido na internet e “pleitear a exclusão da conta ou a sua conversão em memorial, diante da ausência de declaração de vontade do titular”.

    Em caso de ausência de herdeiros, as contas nas redes sociais do falecido serão excluídas após 180 dias da comprovação do óbito.

    A comissão definiu que o “patrimônio digital” dos brasileiros é composto de “dados financeiros, senhas, contas de mídia social, ativos de criptomoedas, tokens não fungíveis ou similares, milhagens aéreas, contas de games e jogos cibernéticos, conteúdos digitais como fotos, vídeos, textos, ou quaisquer outros ativos digitais, armazenados em ambiente virtual”.

    A reforma também incorporou pontos do PL das Fake News, ao propor que as plataformas digitais podem ser responsabilizadas administrativamente e civilmente por danos causados por conteúdos de usuários. Também está prevista a punição das empresas por “descumprimento sistemático” de deveres e obrigações previstas no Código Civil.

    Regulamentação da inteligência artificial

    No mesmo capítulo, a comissão de juristas também buscou garantir os direitos fundamentais e a implementação de sistemas confiáveis de inteligência artificial (IA). Segundo os proponentes, é necessário que as plataformas sejam transparentes, auditáveis, rastreáveis e supervisionadas por seres humanos.

    O grupo também propôs uma legislação específica para garantir que o uso das tecnologias “em áreas relevantes para os direitos fundamentais e de personalidade” seja monitorado e regulamentado.

    Os juristas também estabeleceram no relatório que a criação de imagens de pessoas, vivas ou falecidas, é permitida desde que haja consentimento expresso. Nesses casos, o conteúdo fica sujeito à lei de direitos autorais e é obrigatória a menção do uso de IA.

    Em julho do ano passado, a veiculação de um comercial da Volkswagen que recriou a imagem e a voz da cantora Elis Regina, morta em 1982, por meio de IA, provocou polêmica sobre a recriação da imagem de personalidades mortas.

    Após a repercussão do comercial, a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ) apresentou um projeto de lei na Câmara com a intenção de regulamentar o uso da tecnologia. A proposta de Benedita estabelece que as imagens somente poderão ser recriadas se o artista permitir em seu testamento. A proposta ainda aguarda por apreciação das comissões da Casa.

    Extensão do conceito de família para casais homoafetivos

    A nova proposta do Código Civil também busca modificar o conceito de família. O texto vigente estabelece que tanto o casamento civil quanto a união estável ocorrem entre “o homem e a mulher”. O relatório apresentado, por sua vez, prevê que o “casamento se realiza quando duas pessoas livres e desimpedidas manifestam, perante o celebrante, a sua vontade de estabelecer vínculo conjugal e o celebrante os declara casados”, não mencionando gênero ou orientação sexual dos cônjuges.

    A mudança vai ao encontro do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) que, em julgamento realizado em 2011, permitiu, em votação unânime, o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo e definiu um novo tipo de família.

    Caso seja aprovada pelo Congresso Nacional, a mudança do Código Civil pode promover maior segurança para a população LGBTQIA+. Em 2023, o grupo teve o seu direito ao casamento civil ameaçado pela bancada conservadora da Câmara dos Deputados, que resgatou um projeto que tentava proibir a equiparação de relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo ao casamento ou à entidade familiar.

    Pets passarão a ser reconhecidos como seres de proteção jurídica própria

    Os animais domésticos, que hoje são tratados como bens móveis pelo Código Civil, passam a ser reconhecidos juridicamente no anteprojeto. A proposta pontua que eles são “seres vivos sencientes e passíveis de proteção jurídica própria, em virtude da sua natureza especial”. O texto estabelece ainda uma “pretensão reparatória” aos animais que sofrerem “danos” por violências e maus-tratos.

    Mais segurança jurídica para os transplante de órgãos

    O anteprojeto também traça um limite entre o início e o fim da vida dos brasileiros. O texto destaca que a “personalidade civil do ser humano começa do nascimento com vida e termina com a morte encefálica”. A alteração, segundo a professora Rosa Maria de Andrade Nery, relatora da parte geral do código, pode trazer mais segurança e efetividade aos transplantes de órgãos.

    O anteprojeto garante que as doações de órgãos sejam feitas sem a autorização familiar, caso o falecido tenha deixado por escrito a própria permissão. Em situações onde o documento inexiste, a ordem de sucessão legal será seguida para adquirir ou não a aprovação.

    Regulamentação da reprodução assistida e da barriga solidária

    A comissão de juristas também propôs a regulamentação da reprodução assistida, definida como a “decorrência do emprego de técnicas médicas cientificamente aceitas que, ao interferirem diretamente no ato reprodutivo, viabilizam a fecundação e a gravidez”. O anteprojeto garante que as pessoas que nascerem a partir desses métodos devem ter os “mesmos direitos e deveres garantidos às pessoas concebidas naturalmente”.

    Também é determinado que qualquer pessoa maior de 18 anos pode se submeter ao tratamento manifestando sua “inequívoca vontade”, desde que a doação não tenha caráter lucrativo ou comercial.

    O tratamento será indicado por especialistas se houver possibilidade de êxito e não apresentar risco à saúde dos pacientes. Os dados das pessoas envolvidas na reprodução assistida serão sigilosos, não “podendo ser facilitadas nem divulgadas informações que permitam a identificação do doador e do receptor”.

    A proposta regulamenta a reprodução assistida, definindo a prática como a reprodução humana que “decorre do emprego de técnicas médicas cientificamente aceitas que, ao interferirem diretamente no ato reprodutivo, viabilizam a fecundação e a gravidez”. Ele busca ainda garantir que as pessoas nascidas a partir de tais técnicas tenham os “mesmos direitos e deveres garantidos às pessoas concebidas naturalmente”.

    O anteprojeto garante que o método da “cessão temporária de útero”, mais conhecido como barriga solidária, é permitido em casos onde “a gestação não seja possível em razão de causa natural ou em casos de contraindicação médica”.

    Fica recomendado que a cedente tenha um vínculo de parentesco com os futuros pais, que não receba dinheiro e que a cessão seja documentada antes dos procedimentos. Segundo os juristas, o processo é uma forma de registrar “a quem se atribuirá o vínculo de filiação”.

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