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  • 05/maio 08:00
    Por Ataualpa A. P. Filho

    – O que dizer?…

    Há momentos em que as palavras fogem. Mergulham no espaço do imponderável pela irreversibilidade de fatos que atingem a alma por uma dor imensurável, intraduzível em vocábulos. Às vezes, ficamos inertes, estáticos, sem saber o que dizer, impotentes diante de golpes que o destino aplica, desestruturando a lógica que tenta impor critérios sobre a morte. O tempo, que nos carrega mundo adentro, vai apontando-a como responsável pela definição do efêmero, do eterno. Nesta caminhada, o absoluto e o relativo se estabelecem pelo desprendimento do supérfluo: – o que é essencial ao viver?

    A nossa vontade não é soberana. O mundo não gira em torno do nosso umbigo. A efemeridade humana evidencia os nossos limites. Resignação não é comodismo, mas reconhecimento do que impera na realidade: a vida não é movida pelas nossas conveniências. Contradições e contrariedades fertilizam as nossas pegadas neste mundo. Ninguém é de ferro. Se o coração pulsa, a dor está ao lado.

    No domingo passado (28/04), apelei para a linguagem não verbal por não encontrar palavras: abracei um amigo que havia perdido uma jovem filha assim no de repente. Eu e mais de centenas de pessoas penduravam um “porquê” na fatalidade, no inexplicável. Todos, sem exceção, tentavam, de algum jeito, consolar os familiares, os amigos que compartilhavam uma dor imensurável.

    – Como? Por quê? – O “não é possível” se desespera, uma vez que não encontra lógica na conveniência humana. O apelo à espiritualidade ocorre quando há a crença em milagres como manifestação da fé. Em outras palavras, o bálsamo vem pela subjetividade. O real, o concreto ficam expostos diante dos nossos olhos para dizer que há impossível. Sim, há o impossível que vence todas as nossas prepotências.

    Ainda não me dei por vencido. Embora não tenha desistido de tentar entender as faces da morte, atrevo-me a dizer que sem ela não há trágico. Mas nem toda morte é trágica.

    A dor que fere o nosso peito é o amor que a produz. Se amamos, se cultivamos a afetividade que se manifesta pelo carinho, as lágrimas pela ausência de um ente querido correm facilmente.

    O nosso inconformismo reside na dificuldade de aceitar a partida repentina de alguém com tanta vitalidade, com tanto carinho, com tanta capacidade agregadora. Ao lado de um corpo, tanta gente…

     O ser do Bem agrega pelo amor. O inexplicável também reflete as nossas limitações…

    Às vezes precisamos controlar as nossas angústias para não mergulhar no desespero. O sofrimento é inerente à natureza humana, ora se manifesta por razões objetivas, ora por razões subjetivas. Não importa a via pela qual o sofrimento chega. O importante é não se deixar derrotar.

    Nos últimos anos, a minha luta contra as adversidades tem sido árdua. Não é muito fácil olhar o tempo que já passou e enxergar, na dúvida, o que ainda nos resta, tendo muitos sonhos a realizar. O viver é a nossa concretude. Foi a grandiosa médica Nise da Silveira quem afirmou: “para navegar contra a corrente são necessárias condições raras: espírito de aventura, coragem, perseverança e paixão”.

    Apaixonar-se pela vida só é possível quando se faz um ciclo de amizade com laços fraternos que nos permitem amar e ser amado. A centelha do amor é que deflagra as paixões. Amar a vida é também saber lidar com as adversidades. A dor não pode ser maior do que a vontade de viver.

    Ouço, com frequência, em ritmo de carnaval, a indagação da avó paterna da jovem que partiu: “oh jardineira por que estás tão triste/ Mas o que foi que te aconteceu?…”

    Essa avó já não se interessa pelo que acontece no mundo. Não sabe o que aconteceu. Já cansou de saber…

    A outra avó, a materna, viveu até o último fio de tempo que lhe foi concedido. Partiu com mais do que o dobro de anos vivido pela neta.

    Fui externar os meus sentimentos a um tio materno da jovem, que também é um grande amigo, ouvi algo que me fez repensar a dimensão da dor que estamos sentindo: “nem tudo vai neste caixão. Olha, tem muita gente por aqui: filhas, sobrinhos, sobrinhas, netos, netas, muitos amigos…. Vamos superar mais essa. A vida tem que continuar. Agora teremos é que ficar mais juntos pra não dispersar. Não vamos ficar parados, procurando explicação pra morte. Temos que tocar a vida…”

    Entre os significados do nome desse amigo, encontramos um: “pronto para o combate”….

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