• Secretário critica estímulo à ‘pejotização’ em reforma: ‘não há como defender’

  • Continua após o anúncio
  • Continua após o anúncio
  • 18/08/2021 14:15
    Por Cícero Cotrim e Eduardo Rodrigues / Estadão

    O secretário especial da Receita Federal, José Tostes Neto, alertou nesta quarta-feira, 18, que a ampliação das isenções sobre lucros e dividendos na reforma do Imposto de Renda (IR) pode incentivar a “pejotização”, prática de profissionais liberais (como médicos, advogados, economistas e contadores) com ganhos elevados pagarem menos imposto ao aderirem ao regime de pessoa jurídica. Para o secretário, o avanço da “pejotização” é um “desvirtuamento”. “Não há como argumentar e defender que uma única pessoa prestadora de serviço seja equiparada a uma sociedade empresária normal”, afirmou.

    Ao participar da 22ª Conferência Anual Brasil Santander, ele também disse: “O texto do projeto de lei – e tem sido uma preocupação do deputado relator, Celso Sabino (PSDB-PA) – estabelece algumas travas para evitar planejamentos fiscais que visem evitar a cisão artificial de empresas, sobretudo para usufruir dessa isenção de dividendos na pessoa física do sócio. Porém, se essas isenções forem muito ampliadas, há riscos de haver estímulos à ‘pejotização’.”

    A proposta original do governo previa a taxação de lucros e dividendos – hoje isentos de cobranças – em 20%, com um teto de isenção de R$ 20 mil para os ganhos de acionistas de pequenas e médias empresas. No entanto, Sabino acrescentou ao rol de isenções as empresas do regime de lucro presumido (muito usado por pessoas jurídicas) que têm faturamento de até R$ 4,8 milhões, com apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL).

    Para o secretário, é recomendável ter cautela ao criar mecanismos com tratamentos diferenciados de tributação, em especial para a isenção, em um momento no qual o País discute eliminar as distorções que incentivam o fenômeno da “pejotização”.

    Tostes afirmou que esse processo tem como consequência a piora das relações de trabalho. “Todos sabemos que o melhor do ponto de vista técnico nem sempre é o possível do ponto de vista político, e isso certamente também está sendo considerado nas discussões que estão sendo feitas em torno do projeto de lei”, disse.

    Como mostrou o jornal O Estado de S. Paulo, um terço do ganho obtido pelas empresas do Simples e do lucro presumido não é tributado nem na pessoa jurídica nem na pessoa física pela Receita Federal, o que equivale cerca de R$ 200 bilhões em valores atuais.

    Os dados foram compilados pelo ex-diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado e especialista no tema Rodrigo Orair, para alertar sobre o risco de aumento da baixa tributação por essas empresas com a aprovação do projeto que altera o Imposto de Renda.

    O projeto do IR estava pautado para ser votado na terça-feira, 17, mas os líderes dos partidos na Câmara pediram o adiamento para a semana que vem. A tributação sobre a lucros e dividendos é um dos pontos polêmicos do texto. “Nós vamos demandar um pouco mais de tempo para que eles possam entender melhor a proposta, possam compreender melhor do que nós estamos realmente tratando, a forte desoneração sobre a renda das empresas, favorecendo e motivando o reinvestimento, favorecendo e motivando também o investimento nos ativos nacionais, nas empresas brasileiras”, disse Celso Sabino no mesmo evento.

    Na noite de terça, o plenário da Câmara dos Deputados adiou por uma semana a votação da reforma, a despeito da pressão de Lira pela apreciação do texto. A postergação, aprovada por 399 votos a 99, teve apoio do governo e da oposição, diante do impacto fiscal do texto de Sabino para Estados e municípios.

    O adiamento deflagrou uma guerra de bastidores por novas concessões para os governos regionais, que querem mais R$ 18 bilhões para apoiar o texto. Como mostrou o Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado), os acordos sinalizados até agora pelo governo para destravar a votação já levaram a uma reforma que “não se paga há muito tempo”, na avaliação da ala fiscalista do Ministério da Economia.

    O texto reduz de 15% para 6,5% a alíquota do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) base, além de diminuir em 1,5 ponto porcentual a tributação da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). A carga total sobre a renda das empresas cairia de 34% para 24%, uma diminuição total de 29,4% na tributação, calcula Sabino.

    CBS

    Além da votação do IR, Tostes defendeu que o projeto de lei que institui a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), fusão do PIS e da Cofins, seja votado brevemente. Para ele, a reforma da tributação deveria começar por bens e serviços.

    Segundo o secretário, o governo mantém a avaliação de que a mudança da estrutura tributária deveria priorizar o consumo, já que a taxação de bens e serviços arrecada em torno de 14% do Produto Interno Bruto (PIB), quase o dobro dos 7,3% da taxação de renda. Tostes afirmou que a CBS ficou parada desde junho de 2020 por uma posição do Congresso.

    “Houve uma opção exclusivamente por parte do parlamento por tratar na então comissão especial criada para discutir a reforma tributária apenas as PECs que tratavam da criação de um IVA amplo, que estavam tramitando, e foi deixado de lado o projeto da CBS”, disse.

    Segundo o secretário, não houve uma opção do governo de tratar da reforma do Imposto de Renda primeiro. O projeto recebeu amplo apoio da presidência da Câmara e tramitou rapidamente, enquanto a medida que institui o CBS somente teve relator designado recentemente, disse.

    Para Sabino, o Congresso adotou uma estratégia acertada ao fatiar a discussão da reforma tributária, o que tem dado resultados. “É muito importante a tramitação dos projetos que falam sobre a reforma do consumo, mas isso não afasta a discussão e o debate sobre a reforma do imposto que incide sobre a renda”, afirmou.

    Últimas