Se todos fossem iguais a você
Tenho um amigo que, a cada dia, conquista a minha admiração. Eu o conheci quando ele realizava um trabalho voluntário na escola pública em que leciono. Dedicava parte do seu tempo a dar aulas para jovens e adultos nos cursos técnicos oferecidos nessa unidade escolar.
A admiração citada aumentou quando percebi a sua sensibilidade social. Esta vem do amor que ele tem pela vida, pelo despojamento, pelo desprendimento diante dos bens materiais. Temos convicções religiosas diferentes, mas acreditamos no mesmo Deus, além de termos a mesma preocupação com a população em situação de rua. Testemunhei várias vezes as doações que ele destinou à obra do Padre Quinha.
Neste período em que o frio aumenta, o coração dele aperta. Se pudesse, abrigaria todos que estão nas ruas. Ultimamente temos conversado sobre o como acolher essas pessoas que vivem expostas debaixo das marquises, sem lar. Sabemos que esse trabalho assistencial consiste apenas em um paliativo diante desta realidade que produz miséria. É preciso combater as causas, alertar a sociedade e exigir dos governantes uma assistência social mais eficiente.
Na terça-feira passada, dia 14 de junho, ele me ligou e, com a sua voz mansa, falou:
“… Conversando aqui com a minha esposa, chegamos à conclusão de que não precisamos mais do carro. Como mudamos para o centro, o carro não é mais necessário. Vamos fazer tudo a pé. O meu médico fica aqui perto. Pego a minha aposentadoria aqui ao lado. Há um supermercado próximo daqui. Por isso, vamos doar o carro para uma instituição de caridade fazer uma rifa e usar o dinheiro para melhorar as instalações de acolhimento de moradores de rua.”
Essa atitude dele não me surpreendeu. Mas confesso que me levou a refletir muito sobre a concepção de valores entre os seres humanos. Ele jamais pegará uma arma e sairá atirando a esmo em um estabelecimento público, pois não cultiva o ódio em seu coração.
Eu não tenho dúvida: ódio é a força motriz de todo atentado terrorista. Não vi nenhum caso em que, alguém, em crise de loucura, tenha invadido uma escola e distribuído flores para as crianças. Nunca ouvi falar de alguém que, no auge da insanidade, tenha distribuído abraços em praça pública. A probabilidade da falta de amor desencadear depressão é bem maior.
Mencionei as atitudes desse amigo para evidenciar o comportamento das pessoas diante da vida. O pai do jovem que invadiu a boate Pulse, em Orlando, na Flórida, matando 50 pessoas e ferindo 53, falou que o filho dele era violento e odiava homossexuais. Esse jovem americano batia na esposa e jurava lealdade ao Estado Islâmico.
O que mais me entristece é saber que continuaremos a ter notícias de outros atentados terroristas, porque a disseminação do ódio cresce assustadoramente. Essas tragédias se espalham pelos noticiários internacionais. As cenas de ódio e terror ganham mais destaque do que os gestos de amor. Por isso, quis relatar hoje uma ação solidária. Nem tudo está perdido. Ainda existem pessoas que amam a vida e desejam o bem ao próximo.
Eu não menciono aqui o nome desse amigo, porque não me sinto no direito de quebrar o silêncio de suas atitudes humanas. Toda vez que o encontro, lembro os versos da canção de Tom Jobim e Vinícius de Moraes: “se todos fossem/ iguais a você/ que maravilha viver”. Existe “verdade que ninguém vê”.
Ele não é adepto da teologia da ostentação, mantém-se na simplicidade como uma virtude. E assim, a vida lhe parece bela, sem apego ao fútil. Viver é o essencial.