Saúde Mental: Vamos falar sobre isso?
Pode um livro salvar vidas?
Parte 2
Sim, um livro pode salvar vidas, a começar pela vida do próprio autor. Sabemos disso desde que o mundo letrado existe.
A escrita nos permite deixar rastros e transmitir sensações de impressões que o mundo à nossa volta deixa em nós, entre nós. Um mundo só existe porque assim o fazemos existir concreta e acusticamente.
A língua, em sua versão articulada pela linguagem, é a origem de toda vida, de como a conhecemos e a interpretamos.
A palavra coração pode ser dita de várias formas e traduzida em muitas línguas. O órgão será o mesmo e desempenhará suas funções vitais independentemente da tradução, mas nunca será o mesmo pelo que ele representa em cada cultura, para cada pessoa. Quantos sons cabem em um coração? Cor, ora, ação, oração, são? Que ênfase cada um de nós dará sobre uma das faces da verdade que cabe em nossos corações?
Sob que aspectos um coração pode bater mais rápido, desacelerar, ou, até ser salvo, através de um livro? Aqui eu circunscrevo livro dentro do viés criativo, ficcional, como os romances literários, contos, crônicas e poesia.
Uma escrita literária/poética é uma especie de r’existência porque a vida por si só é insuficiente para nos fazer resignados aos fatos, ao que se interpôs em nossos caminhos, aos sentimentos que nos invadem em determinadas épocas e lugares, às palavras malditas que colaram em nós, deixando-nos a impressão de que nossas insuficiências e furos seriam marcas de imperfeições abomináveis, defeitos terríveis que deveriam ser eliminados e nunca escutados ou compreendidos, não nos dando sequer a possibilidade da transformação. No entanto, o poeta em nós não se resigna. Inconformado, escreve, reescreve, vai além, transforma a maldição em audição musical, os furos em possibilidades de criação, as letras apagadas em marcas de desejos, sofrimentos, gozos, poesia.
Sim, um livro resulta de muitos livramentos, mas quando não tornados públicos, o reconhecimento de nossas diferenças e de nossos estilos não atinge o outro, deixando-nos a dúvida se nossas r’existências poéticas seriam apenas frutos de um desespero íntimo não compartilhado e, portanto, não reconhecido como algo de valor pelo próprio poeta.
É o caso de tantos autores e artistas cujas obras só se tornaram conhecidas e seus talentos reconhecidos depois de suas mortes, como, por exemplo, o poeta português, Fernando Pessoa (1888-1935) cuja obra Mensagem, de 1934, foi o único livro em português que publicou em vida, embora ele tenha publicado três outras obras em língua inglesa, pois dominava muito bem esse idioma, uma vez que morou e estudou em uma escola católica irlandesa de Durban, África do Sul.
Quantas vidas ainda por salvar e mundos a serem reinventados pelas palavras que ainda não foram escritas?
Por Vanisa Moret Santos