• Saúde Mental: Vamos falar sobre isso?

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  • 15/abr 08:00
    Por Vanisa Moret Santos

    Espelho, espelho meu, és pelo menos eu?

    Sempre gostei de brincar com o sentido das palavras, dos ditos, dos provérbios, das frases feitas, como fiz com o título. 

    A princípio, escrever era apenas uma brincadeira íntima com as palavras. Fazia pra me divertir, mas algumas pessoas importantes na minha vida gostavam tanto do que eu escrevia que resolvi publicar meus poemas depois de adulta. Mas essa história de “ser escritora” começou na infância, há muito tempo, quando eu nem sabia escrever, muito menos ler.

    Como assim?

    Segundo minha mãe, sempre que eu ficava triste ou zangada, desde os meus primeiros anos de vida, eu pegava uma folha de papel em branco e um lápis. Ficava rabiscando até me aliviar. Por isso ela dizia que eu já sabia escrever antes de saber ler.

    “Já sabia escrever antes de saber ler” foi um dito materno que definiu meu sintoma (a escrita poética), mas foram precisos muitos anos para eu poder entender isso melhor e transformar esse espelho que se apresentou diante de mim através de um olhar e de uma voz e transforma-lo em um texto genuinamente meu. 

    Havia outras frases e ditos bastante ruins que também me serviram de espelhos por muito tempo e dos quais decidi me livrar, pervertendo-os, invertendo-os, reescrevendo-os, reinventando-os até torná-los meus.

    Só procurei por análise quando eu mesma podia pagar pela mesma, aos 19 anos. Desde então, fui revendo e reescrevendo esses ditos e malditos, mas tentando entender os limites das boas intenções de minha mãe que sempre prezou pela boa linguagem. Suas exigências de correção ortográfica, dentre outros perfeccionismos triviais resultariam em alguns de meus traços mais sintomáticos.

    Só erra quem acerta… ou seria o contrário?

    Fiz análise por por mais de trinta anos. No meio do caminho dessa reescrita particular que foi minha análise pessoal, eu resolvi me tornar psicanalista. Para tanto, era preciso me autorizar a ler o texto de outro sujeito. Sim, eu não poderia atender sem saber como fazer essa leitura descolada do espelho em que me formei e diante do qual me transformei. Para poder escutar o outro, eu precisava aprender a ler mais e melhor não só o meu próprio texto como também a teoria psicanalítica, além de outras poesias e literaturas, como o próprio Freud nos orientou ao longo de sua obra.

    Aprender a ler, modificou minha escrita que seguiu se transformando durante as supervisões clínicas e ao longo de minha formação psicanalítica contínua. Além disso, ao longo de meus estudos e pesquisas, descobri que aprender a ler os textos dos analisantes implicava em transler seus ditos, cortando-os, pontuando-os, pervertendo-os. Equivocações de escuta/leitura eram bem-vindas, pois produziam enigmas que caberiam ao anslisante desvendar caso ele ou ela quisesse ir além de suas queixas.

    Como analista, ocupo um lugar de suposição de saber escutar o que se produz do inconsciente do outro sem me misturar com isso. Devo funcionar como um objeto que provoca no analisante um desejo de saber sobre as causas de seu sofrimento para ir além.

    Um sujeito só pode se autorizar a escutar analiticamente outra pessoa se ele passa ou já passou por esse processo de transliteração de si. É preciso ter reconhecido sua própria letra sintomática para poder suportar se despir de sua subjetividade sem se misturar ao texto do analisante. Através de sua suposição de saber, o analista também provoca no analisante o desejo de ler, para que ele ou ela consiga reinterpretar o texto do Outro, fazendo algo diferente a partir disso.

    Quando uma pessoa inicia uma reescrita em análise, ela ainda se vê presa ao espelho do Outro, emaranhada nos malditos fastasmáticos que marcam sua existência. Traços significantes que se enfronham em seu sintoma, inibindo suas ações, provocando crises de angústia. 

    A escrita em análise é um caminho que leva o sujeito a aprender a ler o texto que o Outro escreveu por ele. Será preciso ousar modifica-lo até que possa atravessar o espelho ao qual se fixou. Mesmo que, em um primeiro momento de sua vida, o espelho salve o sujeito de seu desamparo, ele acaba alienando-o aos ditos do Outro. É inevitável.

    Para conseguir rever as cenas fantasmáticas diante desse espelho particular, é preciso aprender a transler nas entrelinhas de um universo íntimo a ser atraveRsado.  

    Espera-se que não alimentemos ilusões, apenas aquelas que puderem se transformar em novos sonhos. Os buracos negros continuarão a existir. Mas justamente isso que resta de mistério em nós é o que nos dá forças para criar e seguirmos em frente. Se possível, brincando com as palavras.

    Cada um faz o que pode com o saber que ainda não se sabe.

    Vanisa Moret Santos

    Para comentários, escreva para meu direct no instagram @vanisamoretsantos.

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