• Saúde Mental: Vamos falar sobre isso?

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  • 01/abr 08:00
    Por Vanisa Moret Santos

    Por que amparar os pais idosos pode ser tão difícil para algumas pessoas?

    Não é favor que os pais amparem e cuidem de seus filhos menores de idade até poderem atingir autonomia física, psíquica e financeira para, enfim, poderem se sustentar. Do mesmo modo, não é favor que os filhos provenham e cuidem de seus pais em situações de vulnerabilidade física, financeira e/ou psíquica, especialmente na velhice. O excepcional, em muitos casos, é que o façam por amor, por reconhecimento e com boa vontade. 

    Ainda que muitos filhos se recusem a ajudar os pais idosos em situações de vulnerabilidade, trata-se de uma obrigação legal como disposto no art. 229 da Constituição: 

    “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade”.

    Há também o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003) que estabelece as obrigações legais dos filhos para com os pais idosos (a partir de 60 anos) que estejam atravessando dificuldades e/ou adoecimento. Entretanto, ainda que a lei lhes garanta tais direitos, nenhum pai ou mãe, mesmo em idade avançada, vislumbraria uma situação em que seus filhos tivessem que os amparar. 

    Ao viverem uma situação de vulnerabilidade real, pais que sempre foram provedores e responsáveis pela família, sentem-se humilhados e constrangidos quando precisam pedir qualquer tipo de ajuda aos filhos. Mas a vida segue. Os pais envelhecem, muitos adoecem e, em alguns casos, perdem poder aquisitivo. Estranhamente, é nesse ponto que muitos filhos se esquivam de encarar essa nova realidade, afastando-se física e afetivamente dos pais, alegando nada poderem fazer. Não se trata apenas de um desamparo material, é afetivo também. 

    O sentimento de abandono e de decepção que muitos idosos expressam em suas falas revela-se como uma grande tristeza. Frequentemente, alegam sofrerem de depressão, pedindo, inclusive, para serem medicados. 

    Uma análise, quando possível, tem uma abordagem diferente, convocando esses sujeitos em idade avançada a falarem e a sairem da posição de vítima para se implicarem nisso que lhes causa sofrimento. No entanto, trata-se de um trabalho delicado e difícil, pois o abandono material e afetivo evoca o sentimento de desamparo que todo ser humano um dia experimentou em sua dependência física e psíquica dos cuidados e do amor do outro.

    O que se observa na clínica quanto ao abandono real, efetivo e afetivo dos pais por parte de seus filhos é que os filhos, por algum motivo ainda não esclarecido, quando crianças, sentiram-se agredidos e desamparados por seus próprios pais, mesmo que eles aleguem terem lhes dado “tudo”.  

    Por que será que, para certos filhos é tão difícil reconhecer e retribuir o amor recebido? Há muitas variáveis que suscitam inúmeras respostas, inclusive a de não terem se sentido amados. 

    Quando as pessoas que buscam análise queixam-se dos pais, mostrando-se hostis e indiferentes a eles, alegam que agem assim porque foram mal tratadas e que viveram em um ambiente afetivamente pouco saudável, sem muito amor e pouco humanizado. 

    Por outro lado, se são os pais aqueles que buscam por tratamento, vemos como muitos deles se envaidecem por terem dado “tudo do bom e do melhor” aos filhos, especialmente no plano material. O ideal de “amor” seguido por esse tipo de mães e pais super provedores, quase sempre fracassa no plano afetivo, especialmente se suas maiores preocupações concentram-se apenas no plano material, não permitindo “nada faltar” aos filhos. Consequentemente, ao não incluírem a falta em seu farto “cardápio”, não transmitem a noção dos próprios limites. Com isso, criam pessoas vorazes, demandantes, individualistas, que pouco se importam com os limites e com o sofrimento do outro. Crianças criadas nesse modelo, tendem a se tornar adultos indiferentes e marcadamente materialistas. Acostumadas à mentalidade de que, na vida, ter dinheiro e poder é o que importa, muitas dessas crianças tornam-se adultos narcisicamente adoecidos, incapazes de se sensibilizar com o outro. Por outro lado, sabemos que não podemos generalizar, pois “cada casa é um caso” e sempre haverá espaço para surpreender.

    Para a psicanálise, o sujeito do desejo não tem idade, não se enquadrando, portanto,  em nenhuma classificação etária. Se está saudável e desejante, o sujeito pode trabalhar, amar, se virar. Entretanto, isso não quer dizer que a psicanálise negue os limites reais que invadem a vida do sujeito com situações atípicas e adversas. Também não nega a importância do amor e da solidariedade, especialmente em um mundo tão individualista. 

    A ética pela qual um psicanalista se orienta e com a qual dirige um tratamento visa a levar o sujeito a se questionar sobre suas escolhas, a se haver com as consequências de suas ações, mas também o inspira a contribuir com algo de si para que outros sujeitos em sofrimento possam atravessar e superar suas dificuldades. Nesse sentido, sejam os pais ou os filhos aqueles que passam por nossos divãs, será sempre de um sofrimento infantil real que deverão se curar.  

    É preciso saber que, ao longo da vida, sempre haverá furos “incompreenchíveis” em si, no outro e na própria linguagem, mas também é preciso saber contornar esses vazios com as próprias palavras faltosas. Mesmo que algo permaneça não dito, haverá certo momento em que a pessoa achará um jeito particular de produzir um saber que faça alguma diferença real em seu estilo de vida. É por entre as tramas de sua história que o sujeito poderá se desenrolar, reescrever seu destino e, enfim, experimentar certa alegria de viver.

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