Saúde Mental: Vamos falar sobre isso?
“Uma homenagem a mais a Maria Anita Carneiro Ribeiro: sobre o desejo do analista, sua ética, sua formação”
Em 2020, quando a pandemia estourou no mundo, inviabilizando os contatos físicos presenciais, tivemos que inovar nossas práticas clínicas e nossos percursos pela formação em psicanálise.
O Curso de Especialização em Psicologia Clínica da PUC-RJ criado e coordenado por Maria Anita Carneiro Ribeiro (1944-2024) por tantos anos, também teve que se desafiar e inovar o modo de sua transmissão. Iniciamos, então, o curso na modalidade on-line.
Nessa ocasião, Maria Anita me procurou pedindo que eu a ajudasse na coordenação e assim eu o fiz, prometendo-lhe que o curso de seu desejo seguiria em frente.
Ao longo dos últimos quatro anos, trabalhamos juntas, sempre em uma parceria com os professores e professoras. Eu fazia questão de conversar com Maria Anita sobre todas as questões que diziam respeito ao curso, ainda que ela tivesse me dado carta branca para tomar todas as ações necessárias para a manutenção do curso e resolução de questões acadêmicas e burocráticas.
Em três de julho desse ano, Maria Anita se foi, mas não sem deixar suas marcas, seus ensinamentos sobre a formação do analista, sobre a ética que atravessa nossa prática e nosso desejo. Uma das suas maiores características era o seu vasto saber literário, não somente o teórico. Maria Anita, como boa freudiana de orientação lacaniana, compartilhava das recomendações de Freud sobre a importância da leitura literária e poética para a formação de um psicanalista. Em uma de suas aulas on-line que tive a honra de assessorar, sobre “A História do Movimento Psicanalítico”, Maria Anita esclareceu que a tão conhecida reunião das quartas-feiras, criada por Freud em 1902 para discutir assuntos teóricos e clínicos e temas ligados às artes e à literatura, dentre outros assuntos importantes de seu tempo e lugar, nada mais era do que, “[…] uma reunião de literatos e artistas, aos moldes de um sarau”, ressaltando a importância dos estudos dos outros campos do saber para a formação de um analista.
Ou seja, para que alguém possa se autorizar a clinicar, é preciso muito mais do que um título de médico, ou mesmo, de qualquer outro título acadêmico, pois a formação de um psicanalista deve incluir, em primeiro lugar, sua análise pessoal, e, concomitantemente, a supervisão clínica e os estudos teóricos, literários, das artes e de vários outros campos do saber com os quais a psicanálise faz suas conexões. Podemos notar, com isso, o quão ética Maria Anita se manteve ao elaborar o programa do curso de Especialização em Psicologia Clínica da PUC-RJ, privilegiando os temas teóricos relacionados à prática clínica, bem como aqueles relacionados à Psicanálise e suas Conexões.
Com Lacan, vemos como os campos da Lógica, da Matemática, da Linguística, da Antropologia, da Literatura e das Artes o ajudaram a entender e a ampliar noções teóricas fundamentais da psicanálise. Ambos, Freud e Lacan eram partidários de uma posição ética de que o analista só se faz no divã. Embora um analista se autorize por si mesmo, como ressalta Lacan, isso não se dá sem o reconhecimento de alguns outros, como, por exemplo, o reconhecimento de seus analisantes e também de seus pares.
Foi assim, nessa autorização dada por Maria Anita Carneiro Ribeiro, que me tornei e me autorizei psicanalista, que me tornei e me autorizei professora deste curso tão brilhantemente coordenado por ela e, no qual, desde 2020, venho me tornando e me autorizando coordenadora, assim como ela me designou. É um momento de extrema emoção, de muita saudade, mas também de muita alegria porque sei que com o seu ato, Maria Anita me confiou e me convocou a esse fazer, o de coordenar seu curso.
Se a formação de um psicanalista é contínua, também o é essa autorização que precisa se renovar a cada dia, em cada gesto, em cada ação. A coordenação de um curso também é um caminhar entre muitos e eu não o poderia fazer sozinha. Por isso, gostaria de fazer um agradecimento especial às professoras e professores por toda confiança e pela parceria com a qual tenho contado desde o início de 2020. Com vocês, o curso de nossa querida Maria Anita segue em suas origens, através de vocês, a marca do desejo de saber se propaga e segue causando ainda mais desejo de ir adiante, pois, como sabemos, este é apenas um pedaço de um longo e frutífero caminho que só se realiza com o próprio caminhar.
Desejo muito sucesso aos formandos que seguem realizando parte desse percurso em suas vidas acadêmicas e através de sua formação constante. Desejo que sejam orientados pela ética da psicanálise e que sigam em frente, através de uma formação que nunca se encerra, mas, pelo contrário, que se amplia sempre.
Finalmente, é preciso lembrar, mais uma vez, que um psicanalista, além de se fazer no divã, também é marcado por um instigante desejo de saber entusiasmado e, por isso mesmo, não todo, resultando, portanto, em um contínuo caminhar. Sigamos em frente.
Viva nossa querida e saudosa Maria Anita Carneiro Ribeiro!
*Discurso que proferi na solenidade da primeira formatura na modalidade presencial desde 2020, do Curso de Especialização em Psicologia Clínica da PUC-RJ, em 20/09/2024.