• Saúde Mental: Vamos falar sobre isso?

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  • 03/set 08:00
    Por Vanisa Moret Santos

    Do poço ao posso, da fossa à força, algo do sintoma se desenrola

    “Sonhei com um poço e não sabia se podia pegar água pra regar minha horta”, relatou uma paciente que temia pelo procedimento de cateterismo que o pai teria que fazer dois dias depois da consulta. Em seguida, ela lembrou dos maus hábitos alimentares do pai e do estilo de vida que ele tinha. Segundo ela, o pai estava colhendo as tempestades com os ventos que plantou, “era um tabagista inveterado e muito chegado a uma bebidinha, um trago antes do almoço pra abrir o apetite, uma cerveja durante para molhar a garganta e um licorzinho depois, pra ajudar na digestão”, dizia a jovem em tom de piada. Uma linda moça de aproximadamente 30 anos que luta contra um sobrepeso desde a adolescência. Diante do adoecimento do pai, decidiu emagrecer para não “terminar” como ele. O relato do sonho ocorreu pouco antes dela dizer que iria iniciar uma nova dieta com uma nova nutricionista e que iria tentar fazer o que fosse preciso, que só bastava dar o primeiro passo. Então, digo, “O mais importante é dar o primeiro posso pra molhar sua aorta”.

    Ao final daquele mesmo dia, recebo outro analisante. Passava pelo luto de uma separação e vinha sofrendo muito depois do divórcio da mulher amada até que começou a fazer surfe para relaxar. Com a prática do esporte, sentiu-se mais disposto e menos triste. “O surfe é como a vida, é preciso ter força pra saber cair sem se emburacar”. Arrisco uma brincadeira com as palavras, “sim, da fossa à força é um passo”. O manejo poético surtiu algum efeito e ele começou a falar dos buracos que cavou para si ao longo da vida, como uma espécie de punição auto-imposta.

    Essas são algumas manobras com a palavra que podemos usar para introduzir certa novidade no gozo do sofrimento. Parece algo espontâneo quando faço esse tipo de jogo com as palavras, mas acho que o gosto pela poesia ajuda. Como Freud enfatizava, o interesse pela literatura e pelas artes facilita a escuta, especialmente, porque, através da equivocação pelas palavras, alguma interpretação pode se produzir, podendo, inclusive, promover um desenrolar do próprio sintoma. 

    Como assinala Lacan no seminário sobre o Ato, ao fazer uma equivocação com o verbo “ler” e “ligar” em francês, ele diz, “É na medida em que nossa interpretação liga, de uma outra forma, uma cadeia que é uma cadeia de articulação significante, que ela funciona” (LACAN, aula de 29/11/1967).

    Enfim, por hoje é “sol”.

    Instagram: @vanisa_moret_santos

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