• San Luis, a província que materializa a derrocada do peronismo na Argentina

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  • 21/10/2023 08:50
    Por Carolina Marins, enviada especial / Estadão

    Em 2018, o então governador da Província de San Luis, Alberto Rodríguez Saá, foi o anfitrião de uma importante reunião do peronismo. Ali se pretendia formar uma frente contra o governo neoliberal de Mauricio Macri, já pensando nas eleições de 2019. Cinco anos depois, a província que era considerada um dos redutos peronistas deu fim a 40 anos de hegemonia da família Rodriguez Saá, elegendo um governador da oposição. E, para presidente, os puntanos – gentílico local – escolheram Javier Milei, com quase 48% dos votos nas primárias de agosto. Foi a segunda província onde ele foi mais votado.

    Localizada na parte central da Argentina, San Luis vive do agronegócio e tem orgulho do seu perfil conservador. Desde a redemocratização, o local vem sendo governado por dois irmãos: Adolfo e Alberto Rodríguez Saá, do Partido Justicialista, o principal do peronismo, fundado por Juan Domingo Perón. Mas, diferentemente do que se vê no peronismo mais à esquerda e de bases sindicais da capital Buenos Aires, ali o poder é quase coronelista.

    Ao sobrevoar a capital, que também se chama San Luis, é possível ver entre a vegetação mais árida as estradas construídas todas em linha reta. Durante seu governo, que começou em 1983, Rodríguez Saá ficou conhecido pelas grandes obras que movimentaram a cidade. Tudo ali, conta a população, tem as mãos dele. O período de grandes obras, orçamento gigante e forte presença do Estado criou uma classe média forte.

    No auge de sua popularidade, Adolfo chegou a ser presidente da Argentina por sete dias, depois que Fernando de la Rúa fugiu do país durante a crise do corralito em 2001. Com o tempo, porém, a classe média começou a ver sua condição minguar, até chegar nos dias de hoje, em que a inflação perto de 140% torna qualquer renda insuficiente.

    A isso se soma o envelhecimento de Adolfo, que passou o seu bastão para Alberto, o irmão mais novo e menos popular. Alberto manteve a hegemonia familiar até agora, quando seu candidato amargou uma derrota para Claudio Poggi, candidato do Juntos pela Mudança. “Eu nunca vi nenhum outro governo que não fosse dos Rodríguez Saá”, conta Javier Perez, de 23 anos. “Eles fizeram coisas boas, é preciso reconhecer, mas as coisas mudaram. A economia vai mal, a educação vai mal, os valores morais estão ruins. É preciso uma mudança drástica.”

    Pobreza

    “San Luis passou a estar sempre no pódio em indicadores sociais negativos”, afirma Charly Pereira, deputado provincial pela coalizão Juntos pela Mudança. “Então existe um voto de vingança contra nós da classe política, contra o status quo, porque já não há nada a perder.”

    De fato, hoje, São Luis apresenta indicadores sociais piores do que os nacionais. Se na Argentina a pobreza está acima dos 40%, em San Luis ela ultrapassa 47%. A província seria a terceira com mais crianças abaixo da linha da pobreza, atrás de Chaco e Formosa, segundo dados do instituto de estatística argentino.

    É frente a este empobrecimento que a população justifica a mudança de curso político. Os tempos da pandemia também são citados com amargura, em que o governo promoveu um fechamento rigoroso, praticamente isolando a província do país. Para finalizar, os irmãos brigaram entre si – por motivos que não são muito claros -, criando uma cisão na hegemonia familiar que, no fim, lhes custou o governo.

    O novo governador, porém, não é tão novo. Poggi governou San Luis de 2011 a 2015, mas como parte de um governo peronista. No entanto, mesmo não sendo uma ruptura, sua vitória materializou a bronca local com o peronismo.

    E, mais surpreendente do que a derrota do governo provincial, foi a vitória estrondosa de Milei. Javier Perez foi um dos que votou em Milei nas primárias e disse estar ansioso para votar nele de novo no primeiro turno amanhã. Ele faz a comparação com sua vida agora e a de seus pais, que, apesar de não terem estudado, puderam comprar uma casa e dar uma vida boa aos filhos. Já ele, que faz um curso na área de saúde na Universidade de San Luis, não tem expectativas de ter um emprego.

    “Este é um fenômeno em que a sociedade se vê órfã”, afirma Matías Bianchi, cientista político nascido em San Luis e diretor do centro de estudos Asuntos del Sur, “porque o Estado, os empregos públicos – que são a maioria dos empregos das províncias – estão cada vez mais precarizados”. “Eles veem a necessidade de que algo mude e tudo mais se exploda.”

    O caso mais chamativo da província foi da pequena cidade de Alto Pelado, a 100 quilômetros da capital. O povoado, que tem pouco mais de 100 habitantes, escolheu Milei com 70% dos votos, sendo a cidade que mais votou proporcionalmente no candidato libertário.

    A cidade é marcada pela agricultura e pouca renda, sendo atravessada pela ferrovia General San Martín, que corta o país. “Não me surpreende o voto expressivo em Milei em Alto Pelado, porque precisamente nesses povoados pequenos há pessoas que carecem de tudo e veem em Javier (Milei) uma opção de mudança”, explica Alfonso Recasens, estrategista político que apoia a coalizão de Milei.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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