• Ruminâncias sem coreto

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  • 22/01/2023 08:00
    Por Ataualpa Filho

    Do lambido em rapadura, o esperado duvidoso vem de reticência em punho. As ansiedades que não suportam o por enquanto penduram-se no talvez. Depois da travessia da noite, esperam um dito de certeza pelos raios da manhã. Contudo, é no escuro que o sono mais devaneia no rumo da felicidade em que a vida busca sentido.

    A Verdade, como se sabe, tem tempo de chegada. Quem esfarrapa mentira, certamente, terá a alma penada. Quem tange o destino dos outros para o precipício não pode ficar impune, nem neste, nem no outro mundo.

    Palavra honrada é que mantém, sobre os ombros, a cabeça erguida. Vaidade é fogo de palha. Depois de queimada, o vento só espalha, não serve nem para carvão. Em vão viver é morte em pé. Ser-vir é estar na vida de propósito fechado com o Bem. 

    O resignar-se não tem a mesma velocidade do indignar-se. Este é num piscar de olhos; aquele precisa vencer a razão para aceitar o irreversível. O soluço não é a solução para a dor. Não berra o bom cabrito, quando aprende a destilar o doído por dentro.

    O que rege a vida não é o tango nem o tão pouco. Aqui xote toca. Ser para ir avante. Mas precisa ter sangue no olho para ver os sonhos triturados nos ventos do redemoinho. A sensibilidade vem das ilusões. A ternura é o fio que estanca o enlouquecer diante do duro viver. Ver, no sertão, a fome e a vontade de comer e não ter verde para oferecer é sofrer de inteiriço como cantiga de grilo. É a zoada de fio puxado sem intervalo para o respirar do descanso.

     Fome não é doença. Porém esta vem por causa daquela. O povo não quer comida dada, quer trabalho para, com o suor, ter o pão e levá-lo à mesa da família. O choro do filho com fome dói na alma. Não há cristão que suporte a injustiça sem se revoltar contra o destino. Não se olha com satisfação estampada na cara para quem está no poder e não faz nada para mudar o rumo da vida de quem labuta para não morrer de barriga vazia.  É covardia deixar o povo padecer com minguado salário. Que graça tem cantar de galo com o esporão afiado na frente de pintos famintos? 

    Repensar não é como requentar café. Mas cá, a fé leva a ruminar a dor para, com sacrifício de penitência, afastar o sentimento de vingança e perdoar. Mas, no ar, fica um tudo bem que é uma farsa, não convence ninguém. O comodismo é a máscara do medo. Não existe coragem sem fé. Basta olhar o Crucificado para ter a certeza de que a Verdade é que vale a pena. Vencer os próprios medos é o maior desafio. Duelar consigo muda o grito.

    A Terra é sem fronteiras. Todo limite está no homem; aliás, nos viventes que se locomovem. Cada um quer demarcar o seu território: “dois corpos não ocupam o mesmo espaço”, é o dito em forma de lei. Até a matéria tem delimitação. A luta por terra tem, por ganância, derramado muito sangue. A ânsia do poder é ferrugem n’alma. Quem, neste mundo, a tudo se apega não tem a menor noção do que é eternidade.

    Sozinho, ninguém tem a força. O mundo é apenas ponte de uma travessia. Ao pó soprado, o vento dá destino. A vida não é vendida a metro, nem a quilo e não há como comprá-la para fazer estoque. Cada um carrega a sua. A qualidade e o sabor da serventia, o tempo diz. O que teve princípio terá fim. 

    O Verbo já se fez carne. A Palavra ganhou vida. Ninguém cospe na cova de quem teve um reto viver. Porém, para quem se serviu da mentira, há desconjuro. São altos os juros cobrados do outro lado. Por lá, o cartão de crédito é outro: o amor. Quantas caridades você depositou em sua conta? 

    A morte é só o começo da travessia. A ressurreição é a vitória, por isso, depois do carnaval, feliz páscoa…

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