• Resistência na imoralidade

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  • 24/10/2017 08:20

    Lá fora, em países com tradição de respeito pela ética no trato da coisa pública, agentes políticos, quando apanhados em crimes, logo tratam de renunciar a seus cargos. Uns, frente à desonra pública, em consequência da divulgação dos fatos delituosos, vão ao extremo e apelam ao desespero supremo do suicídio. Há inúmeros exemplos de casos envolvendo ministros e servidores da alta administração que espontaneamente se afastam de suas funções, ainda que diante de mera suspeita de desvios morais.

    No Brasil, como os escândalos que a Lava Jato têm demonstrado, ocorre o contrário. Os implicados desafiam a ética e enfrentam o Poder Judiciário sem o menor pudor. Embora haja prova substantiva e incontestável de sua atuação criminosa, insistem em posar de honestos, com atos que escarnecem da opinião pública. Agarram-se a seus cargos. Para tanto, contam com a extrema morosidade da Justiça, em processos que se prolongam por anos a fio, fazendo com que permaneçam impunes.

    Veja-se o que acontece com o senador Aécio Neves. Foi pegado com a boca na botija. A gravação de suas conversas com Joesley Batista não deixam dúvida sobre o cometimento de vários crimes. Pede R$ 2 milhões ao empresário, diz que deve a ele ter chegado aonde chegou e compromete-se a obter a nomeação de um indicado pelo dono da JBS para uma das diretorias da Vale do Rio Doce. Na mesma ocasião, indica um primo para receber o dinheiro combinado, que dias depois seria filmado recolhendo a grana da propina, devidamente acondicionada e transportada em mochilas.

    Mesmo assim, com tamanhas evidências, Aécio Neves, após ter o mandato restaurado pelo Senado, ainda teve o topete de ocupar a tribuna da casa a fim de proclamar-se imaculado, sujeito a uma “articulação ardilosa”, orquestrada por um bandido, como se não tivesse cometido a mínima infração à lei penal. É muita cara de pau, é o cinismo levado às últimas consequências. Mas o misto de mineiro-carioca não está sozinho no episódio, uma vez que dispõe de companhias ilustres, em situações criminosas semelhantes, também fundadas em provas robustas.

    Não poderia haver paralelo que melhor se ajustasse ao imbróglio em que se meteu Aécio Neves do que o encontro que Joesley manteve com o presidente Michel Temer nos porões do Palácio do Jaburu. Trataram de assuntos análogos, fora da agenda oficial e na calada da noite. Como Aécio, Temer, depois de ser flagrado em fatos vexatórios e criminosos, não mais do que de repente, passou a imputar a Batista a pecha de bandido. Pois bem, com tudo registrado em áudio periciado, o presidente ainda tem a petulância de jurar inocência, afirmando-se vítima de uma conspiração destinada a apeá-lo do poder. Em qualquer país sério, Temer, se cultivasse um mínimo de espírito público, já teria voluntariamente deixado a presidência, evitando que a Nação mergulhasse na desesperança e na falência total de sua representação política.

    Lula da Silva vem agindo de igual modo, também admitindo-se exposto à sanha das elites inimigas. Nega tudo e insiste em dizer que nunca fez nada, viu ou soube de nada. No mesmo diapasão, mais uma vítima, ao lado de senadores e deputados de seu partido e de outras legendas, engolfados até a medula em esquemas pesados de assalto ao erário. Resistem na imoralidade, é a tragédia brasileira.

    paulofigueiredo@uol.com.br

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