Resgate em ativos de risco desacelera, mas não por conta do apetite de investidores
O resgate de investimentos em ações e multimercados está desacelerando, mas o movimento ainda não é resultado de um forte retorno do apetite a risco dos investidores. Embora a recuperação da Bolsa brasileira neste primeiro semestre ofereça algum ânimo, a cautela ainda predomina e impede grandes apostas para além do conforto da renda fixa. Por outro lado, o momento traz oportunidades, tanto para o investidor que quer voltar a inserir risco nas carteiras quanto para o assessor que pode reforçar relacionamentos e o educacional sobre a importância da diversificação.
Dados divulgados pela Associação Brasileira de Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) mostram que os fundos multimercados tiveram resgate líquido de R$ 16,2 bilhões em maio, valor inferior ao registrado em abril, de R$ 20,8 bilhões. Os fundos de ações também tiveram saídas líquidas em maio, de R$ 3,4 bilhões, menos que os R$ 7,7 bilhões em abril.
A avaliação de especialistas é que o principal motivo da desaceleração nos resgates de fundos é a diminuição dos estoques, não a volta do apetite a risco. “Como tivemos uma melhora no cenário de curto prazo, com a Bolsa ‘andando’ e o real com alguma valorização, o ímpeto de tirar dinheiro de posições de risco diminuiu e, como o estoque está baixo, ele incomoda menos nas carteiras”, observa Rodrigo Marcatti, economista e presidente executivo (CEO) da Veedha Investimentos.
“Temos duas formas de olhar os dados [da Anbima]. Quando olhamos o montante que tínhamos nos fundos de ações e nos multimercados há um ano, há 24 meses, vimos boa parte do estoque migrando para outras aplicações. Ficaram no estoque os investidores mais perenes, então o movimento de saída tende a ficar menor ao longo do tempo. De forma complementar, tem a dinâmica do histórico recente dessas classes ser um pouquinho melhor também. Então, a combinação dessas duas frentes acaba gerando esse efeito, com uma dinâmica marginalmente mais positiva”, avalia Pedro Vendramini, CEO da One Wealth. No entanto, na gestora de patrimônio, a alocação em risco segue em níveis historicamente baixos.
O apetite ainda não voltou, mas já voltou às conversas, segundo Marcatti, da Veedha. “A renda fixa ainda gera um prêmio que é difícil de abrir mão, com um carrego na casa de 14% ou 15%. Por que trocar isso por um ativo de mais incerteza em um cenário completamente nebuloso, sem saber se os juros de fato chegaram no teto, começo da discussão para as eleições do ano que vem, e vaivém de tributação? Analistas têm mil motivos para alocar em Bolsa neste momento, mas ao olhar os prêmios de risco, fica difícil tomar a decisão de mudança”, afirma o economista.
Na KAT Investimentos, o movimento é de maior estabilidade, uma vez que a valorização de quase 14% do Ibovespa neste ano ajuda a trazer o investidor brasileiro “de volta ao jogo”, segundo Carlos Gonçalves, líder de produtos da assessoria. “Muito do movimento de alta foi devido ao fluxo estrangeiro, com a rotação [de carteiras] que está acontecendo no mundo, com uma melhora do ambiente para trabalhar a classe de ativos”, diz Gonçalves, acrescentando ver com bons olhos risco em mercados emergentes e Europa neste momento.
Chance de aproximação
Em cenários como o atual, um dos pontos positivos para os assessores de investimentos é a chance de reforçar o vínculo com seus clientes. “Quando há um horizonte de mais diversificação e apetite a risco tem mais oportunidade de falar de cenário e construir raciocínio com o cliente do que quando só se está vendendo taxa de produto. Quando o cenário obriga a diversificar mais, o investidor separa ‘o joio do trigo’, pois verá se a conversa do profissional tem fundamento”, afirma Marcatti, da Veedha. “O educacional é o nosso dia a dia, e temos que trazer o cliente de volta para conversas mais maduras”, concorda Gonçalves, da KAT.
Como levar o risco de volta aos portfólios?
O dinheiro “novo” de clientes com perfil para tomada de risco tem para onde ir. Marcatti, da Veedha, considera um asset allocation completo, olhando para oportunidades em renda variável – via ações diretas ou fundos – e fundos de investimento imobiliário (FIIs). Mas a dificuldade ainda paira sobre a alocação em multimercados, que historicamente já representou de 20% a 30% de uma carteira moderada ou arrojada, hoje encolheu para um ou dois fundos, no máximo, de nomes “consagrados” que o cliente tope investir. “O investidor ‘médio’ vai procurar se expor a um pouco mais de risco de forma mais conservadora. Ele não vai ‘de peito aberto'”, observa Vendramini, da One Wealth.
Gonçalves, da KAT, prefere a exposição a risco via fundos de fundos (FoFs, na sigla em inglês), uma vez que dá acesso a produtos “de ótima gestão e que muitas vezes estão fechados na indústria”, diz. “É preciso um olhar para o futuro. O Brasil não consegue seguir com os juros nesse patamar, então entendemos que quem já se posicionar agora, fazer o ‘dever de casa’ e se beneficiar do ‘carrego'”, afirma.