• Repensar a nossa história (e agir) é preciso

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  • 11/03/2023 08:00
    Por Gastão Reis

    A historiadora Barbara Tuchman, em seu livro “A Marcha da Insensatez”, em que ela aborda dois famosos episódios históricos, as guerras de Tróia e do Vietnam, nos fornece no título um resumo de nossa atual tresloucada história republicana, aquela que vem sendo escrita com “h” minúsculo há décadas. Seu conceito de história alternativa impõe uma condição: a investigação alternativa só faz sentido quando, em determinado período histórico, existe plena consciência de um rumo alternativo, como foram os casos de Tróia e do Vietnam.

    Países podem perder o rumo e se meter em encrencas monumentais como foi o caso da Alemanha nazista em que sua população entrou numa espécie de transe alucinado de negação de valores, já estabelecidos há séculos, como o de respeito ao outro, no plano religioso, e a tradição democrática herdada da Grécia Clássica. Além da quase destruição física do país, as sequelas deixadas marcaram mais de uma geração de alemães no pós-guerra de 1945.

    Mas casos de alucinação coletiva de longa duração não ocorreram só na Alemanha. A História registra vários, desde a Antiguidade, passando pela idade moderna, como o fascismo na Itália, até os dias de hoje. Não deixa de ser um fenômeno estranho que a guerra da Ucrânia, parida na cabeça de Putin, formado na KGB, aquela organização que deu sustentação ao totalitarismo soviético, consiga apoio da opinião pública russa, ainda que não seja unânime.

    Mas existem casos anômalos de países que já tiveram uma moldura político-institucional capaz de garantir crescimento sustentado a longo prazo e que se perderam, partindo para a montagem de uma estranha prática de colecionar décadas perdidas. Pensou no Brasil, caro leitor? Acertou na mosca! Em boa medida, o nosso caso se enquadra na perda de memória nacional, no que ela tinha de positivo, para uma narrativa em que os aspectos  negativos assumiram o palco com um enredo em que a destruição da autoestima nacional passou a comandar o triste espetáculo. Senão vejamos.

    A desinformação reinante vem causando estragos consideráveis em nossa autoestima. Em boa medida, estaria tudo errado desde 1500. A narrativa de termos sido uma colônia de exploração, em que a ganância e a cobiça dos portugueses dominaram a cena é muito comum. Será que foi assim mesmo? Algumas pinceladas comporão o quadro. Estive em São Paulo no início da semana, e tive a oportunidade de tomar conhecimento de fatos surpreendentes.

    Confesso minha surpresa quando soube que a primeira Santa Casa da Misericórdia foi fundada em Santos, em 1543, por Brás Cubas, um fidalgo português e sustentada pelas contribuições dos portugueses que vieram com ele. E era gratuita! Não é estranho que a dita malfadada colonização portuguesa tivesse essa preocupação com a saúde da população em geral. Não só isso. Elas também foram criadas em outras cidades do Império Português no mundo de então. Hoje, são mais de 7000, boa parte delas no Brasil. Enquanto isso, num país muito rico como os EUA, ainda se discute hoje essa questão da gratuidade para quem não pode pagar atendimento médico. 

    Tomemos a questão do ouro surrupiado pelos portugueses nos tempos coloniais. Fui dar uma olhada nos números daquela época e nos de hoje. As técnicas de extração eram incipientes, e os números revelam que foram da ordem de 25 toneladas anuais. Os números só para alguns anos da década de 1990 iam além de 100 toneladas/ano. Basta fazer as contas, de 1822 até hoje, para verificar que o grosso do ouro produzido não tinha mais o imposto do quinto. O que se fez com o ouro depois de 1822 foi problema nosso.

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