• “Reminiscências”: a arte transformadora de Daniela Versiani

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  • Em cartaz na Galeria Cultural do Shopping Estação Itaipava, exposição da artista e moradora de Petrópolis resgata e transforma o esquecido – os livros que iriam para o lixo – em algo digno de contemplação

    Por Aghata Paredes

    A trajetória de Daniela Versiani sempre a conduziu ao universo dos livros, especialmente aos sebos, onde ela descobriu uma abundância de títulos destinados a serem vendidos como papel velho, desprovidos de condições para serem restaurados. Esses exemplares, apesar de despedaçados, rasgados, molhados e mofados, sempre chamaram a atenção da escritora e artista. 

    Neste sábado (20), das 16h às 19h, a artista estará na Galeria Cultural do Shopping Estação Itaipava (Estr. União e Indústria, nº 11000 – Itaipava) para um bate-papo com o público interessado.

    Foto: Divulgação

    “Se você é um frequentador de sebos, já deve ter observado que em algum canto há sempre uns livros em frangalhos, empilhados no fundo de um corredor ou jogados de qualquer jeito em caixas ou mesmo no chão. Certa vez, vendo uma dessas pilhas de livros jogados, perguntei ao dono do sebo o que seria feito deles. Ele disse que seriam vendidos como papel velho. Aquilo me deu uma melancolia… Aí perguntei se eu podia comprar alguns. Ele disse que podia pegar de graça. Então peguei vários deles. Eu ainda nem sabia bem o que faria com eles. Anos depois, comecei a me enveredar pelas artes visuais. E um belo dia tudo fez sentido na minha cabeça: meu amor aos livros e à literatura, meu fascínio por objetos velhos, que carregam história, meu interesse pelos aspectos materiais dos livros. Então comecei a fazer essas colagens. Acredito que as colagens são um modo de fazer com que aqueles livros jogados no chão, que seriam vendidos apenas como papel velho, voltassem a ser tratados com respeito. Em vez de terem sido transformados em lixo, agora se transformaram em arte. Hoje, com o fim dos próprios sebos, substituídos por plataformas de compra online, fico pensando se meu próximo trabalho terá o título: “Que fim levou o dono do sebo?”, conta.

    Marcas e vestígios deixados por aqueles que os compraram, ganharam e leram, assinaturas e ex-libris de seus antigos donos, dedicatórias, trechos sublinhados, tentativas precárias de preservação, pedaços de fita adesiva ou de remarcação de preços, tudo isso vira arte no ateliê de Daniela. “As páginas ficam oxidadas pela ação do tempo, mudam de cor, ganham colorações muito belas. E há os acidentes de percurso. Um pingo de tinta. Uma mancha de café. São esses resquícios, essas delicadezas, que me encantam e que desejo mostrar a quem olhar as minhas colagens.”, revela.

    Foto: Divulgação – Colagem da mostra “Reminiscências”. Colagem: papéis envelhecidos, tinta pilot, tinta nanquim e pastel seco sobre cartão 350g 10 x 10 cm
    2024

    “Esses elementos podem fazer surgir perguntas na cabeça de quem observa: onde será que estava esse leitor quando derrubou café no livro? Estava deitado no sofá da sala? Estava sentado num café? Como será que era a “Maria Teresa de Carvalho” que escreveu seu nome na primeira página? Era nova? Era velha? Será que ela gostou da história? Ou não passou da segunda página? Que bonita é a cor desse papel velho. Como será que ela surgiu? “

    As interferências feitas por Daniela nas colagens são uma extensão de sua própria presença na história desses livros. Caligrafias, desenhos a lápis ou caneta, sublinhados e anotações pessoais são adicionados à narrativa do livro, como a artista destaca: “Essas interferências são um modo que encontrei de tornar-me eu mesma parte das mensagens e da história que esses livros carregam.”

    Foto: Divulgação – Colagem da mostra “Reminiscências”. Colagem: papéis envelhecidos, tinta pilot e pastel seco sobre cartão 350g 23 x 16 cm
    2024.

    A mudança para Petrópolis

    Em 2016, a artista fez as malas, deixando São Paulo, para morar em Petrópolis. A mudança desencadeou uma transformação significativa em seu processo criativo. Petrópolis, com sua beleza e história, tornou-se o cenário ideal para a artista explorar as artes visuais em seu próprio ateliê. Assim, suas mãos, antes voltadas para o mundo abstrato das palavras, encontraram uma expressão mais tangível nas texturas e cores de suas colagens.

    “Eu simplesmente amo Petrópolis. Mesmo com seus problemas, é uma cidade linda, com pessoas educadas, com história. Por isso, há muitos anos eu tinha o sonho de morar aqui. Quando, em 2016, pude realizar esse sonho, me tornei outra pessoa. Cheia de energia, feliz. E tive a oportunidade de experimentar as artes visuais. Apesar de ter estudado sobre arte e imagens de forma teórica, eu nunca havia partido para a prática. E eu sentia falta de usar as mãos. Sempre trabalhei muito com palavras em seu aspecto abstrato: como professora de teoria literária, escritora e tradutora. Sempre em frente a um computador. A certa altura, senti muita falta da matéria da vida. De criar com as mãos. As artes visuais obviamente demandam muito cérebro e pensamento, mas elas têm um aspecto prático incontornável. Você tem de lidar com materiais como tintas e papeis. Quando me mudei para Petrópolis e finalmente tive uma casa com espaço para montar um ateliê, pude me esbaldar. Feito cachorro livre no gramado.”, conta.

    O diálogo entre escrita e imagem

    Questionada sobre como sua formação em Letras e experiência como escritora influenciam o diálogo entre escrita e imagem em suas obras, Daniela reflete sobre como se entrelaçam essas formas de expressão.

    “Eu costumo usar palavras como elemento visual em minhas colagens e pinturas. Nas colagens, as palavras aparecem tanto na sua forma impressa (como quando uso as folhas impressas de um livro), quanto sob a forma de alguma assinatura, ou dedicatória, ou anotação que utilizei como elemento da colagem. Nas pinturas, costumo usar minha própria caligrafia, escrevendo palavras ou frases.”, explica.

    Em seus projetos individuais, como “Caligrafias”, “Metálicas”, “Papéis Avulsos” e “Superfícies”, Daniela Versiani tece a possibilidade de diversas experiências. “Papéis Avulsos”, por exemplo, é uma homenagem aos livros e autores que marcaram sua trajetória, utilizando fragmentos de dicionários, enciclopédias e obras clássicas.

    “Papéis Avulsos”, que apresentei em 2021, na Galeria Cultural do Shopping Estação, foi minha primeira exposição de colagens. As colagens dessa exposição eram pequenas homenagens a livros e autores que amo. Elas foram feitas com fragmentos de dicionários de diferentes idiomas, de dicionários bilingues, de páginas da Enciclopédia Britânica [onde cheguei a trabalhar], das “Metamorfoses”, de Ovídio, de “Macunaíma”, de Mario de Andrade, “A divina comédia”, de Dante Alighieri, de “Dom Casmurro”, de Machado de Assis, entre outros. O próprio título da exposição é uma homenagem a Machado de Assis.”, explica.


    A visitação é gratuita e pode ser realizada até o dia 28 de janeiro, de quarta a domingo, das 13h às 19h, na Galeria Cultural do Shopping Estação Itaipava.

    Mais sobre a artista

    Daniela Versiani é artista visual e escritora. Dedica-se à colagem, à pintura e à encáustica. Suas pesquisas estão focadas na passagem do tempo, no diálogo entre escrita e imagem, e na história dos livros. É doutora em Letras pela PUC-Rio, onde lecionou de 2008 a 2016. Publicou vários textos ensaísticos, além de ficção e poesia. Realizou as individuais “Caligrafias” (Espaço Cultural Piccola Arena, 2018) , “Metálicas”, “Papéis Avulsos” (2019) e Superfícies” (2022), estas três últimas no Espaço Cultural do Shopping Estação Itaipava. 

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