• Reflexões sobre o poeta da América

  • Continua após o anúncio
  • Continua após o anúncio
  • 21/02/2017 09:10

    Aproveito o período carnavalesco para refletir um pouco sobre o poeta da America. Trato de Pablo Neruda. Batizado com o nome de Ricardo Eliezer Neftali Reyes Basoalto, nasceu em 1904, no longínquo lugarejo de Parral, “um polvoso pueblo blanco y lejano”, mas encontra suas primeiras revelações para a vida e para a poesia em Temuco, no centro da “Araucanía”, no sul do Chile, uma região de rios caudalosos, florestas e muita chuva.

    É em Temuco que conhecerá Gabriela Mistral, com quem mais tarde dividirá o Prêmio Nobel, ao conquistar a honraria maior da literatura universal, neste lado de cá da América, ao lado do colombiano Gabriel García Márquez e do peruano Mario Vargas Llosa. Na sua pequena aldeia, Neruda fará as primeiras investigações sobre seu passado e escreverá seus poemas inaugurais, dobrando-se diante das inclinações culturais de seu povo, uma marca que percorrerá a sua extensa obra literária.

    Morre doze dias após o golpe militar de 11 de setembro de 1973, que levou o presidente Allende ao suicídio, no cerco ao Palácio de la Moneda, sob o comando de Pinochet, um dos ditadores mais cruéis do século XX. Vencido pela doença insidiosa, a agressão brutal à liberdade certamente apressou-lhe os passos, ao ver soterrada a democracia, até então tida como a melhor experiência na América Latina, o seu mais duradouro exemplo.

    Neruda foi fecundo e intenso. Desde cedo, ainda nos albores da existência, pôs-se a serviço do melhor do pensamento transformador e libertário. Usou a poesia como o mais belo instrumento em defesa do homem, para libertá-lo de suas amarras e de seus sofrimentos indizíveis. Foi a palavra da América, a voz daqueles que ainda hoje não conseguem levantar os olhos para ver os Andes, para divisar o “cumbre” de suas montanhas prateadas e eternas. Falou do amor e dele valeu-se para alcançar o sentido de emancipação do verbo, com toda a sua carga poética e divina.

    Em sua pequena aldeia, na acanhada Temuco, em contato com a ancestralidade da cultura mapuche, via-se desde os primeiros anos da juventude como o andarilho da aldeia global, que terminou por se tornar, senhor de seus caminhos mais remotos. Em qualquer lugar, época ou circunstância, mostrou-se sempre um aliado do bem, da boa safra e da boa colheita, uma inclinação solidária permanente, disposta a repartir o vinho e o pão de suas origens.

    No ano do centenário de nascimento de Pablo Neruda, estive em suas três casas no Chile, transformadas em memoriais do poeta. Uma, em Santiago – La Chascona; outra, em Valparaíso – La Sebastiana; e, a mais famosa, a de Isla Negra, onde descansa com Matilde, sua última mulher e companheira, de frente para a imensidão do mar do Pacífico, uma de suas paixões mais constantes. Nelas, a humanidade, em imagens, esculturas, “mascarones” de proa e de popa, quadros, coleções de garrafas de cristal, de bonecas russas e de porcelana, um sem número de objetos que foi recolhendo pelo mundo afora.

    Nas suas dependências, a presença dos amigos, com quem partilhava a mesa, o copo, a vida. Em La Sebastiana, num álbum de fotografias, o Brasil e a Amazônia, na imagem do meu amigo e poeta Thiago de Melo, ao lado de Neruda e de Matilde, num ambiente de ternura e acolhimento.

    Últimas