• Reclamações por barulho crescem e superam nível pré-pandemia em SP

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  • 05/07/2022 17:00
    Por Gonçalo Junior / Estadão

    As reclamações por barulho aumentaram na cidade de São Paulo em 2022. O Programa de Silêncio Urbano (Psiu), da Prefeitura, recebeu, até a semana passada, 12.969 chamados, mais que o dobro do registrado no mesmo período de 2021. O patamar supera até o nível pré-pandemia – no primeiro semestre de 2019, foram 9.443 queixas.

    Em todas as regiões da capital, o barulho tira – literalmente – o sono de moradores, que se mobilizam. Na zona norte, o foco são os eventos no complexo do Anhembi e no Campo de Marte. Na Vila Madalena, na zona oeste, a queixa é a música alta em bares. No Butantã, na mesma região, vizinhos reclamam de pancadões itinerantes e mesmo de bares que funcionam em contêineres e, sextas e sábados, fazem shows ao ar livre sem o menor constrangimento.

    O Psiu fiscaliza os locais que ultrapassam os limites de som na cidade. A média é de 60 decibéis (dB) durante o dia; 55 à noite e 50 de madrugada. Em zonas residenciais, os limites são menores. A irritação dos ouvidos humanos aumenta a partir dos 60 dB, com os latidos de um cachorro, por exemplo; aspiradores de pó produzem 85 dB, enquanto um caminhão gera 105 decibéis.

    DORMINDO DA SALA. Moradora a dois quilômetros do Sambódromo, a administradora Maria Helena Spaziani conta que é obrigada a dormir na sala nos fins de semana de shows, por causa do barulho que chega à Casa Verde. No mesmo bairro, o produtor cultural João Moreirão, de 65 anos, recorre a fones de ouvido ou simplesmente foge para a casa do filho, em Perdizes. “Se aumentar muito a TV, incomodo o vizinho”, diz ele.

    Por causa de reclamações assim, o aposentado Geraldo Gomes, de 61 anos, também morador da região, criou em 2018 o movimento “Anhembi, queremos dormir”, página no Facebook com quase 800 membros. Gomes classifica os shows como “pancadões com ingressos” e destaca que não tem nada contra festas. Só cobra o cumprimento da lei. Depois de inúmeras queixas, os dois locais foram multados em maio e junho. Conforme o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), uma banda produz mais ou menos 115 DB.

    O Anhembi está em uma Zona de Ocupação Especial (ZOEs), espaço que abriga casas de shows e estádios e necessita de regulamentação específica. Em maio, vereadores da base governista apresentaram um projeto para aumentar o limite de barulho de 55 dB para 85 nesses entornos. O projeto, que provocou indignação em associações de moradores de áreas vizinhas, está parado.

    PANCADÕES. Fora das casas de shows, a música alta incomoda ainda mais. Os moradores do Jardim Jaqueline, no Butantã, dizem não aguentar mais os pancadões, de sexta a domingo. Eles são itinerantes: carros customizados com paredões de som promovem bailes sempre em locais diferentes. O Estadão teve acesso a um relatório preparado pelos moradores e encaminhado à Polícia Militar. As medições registram 80 decibéis em apartamentos a 300 metros do pancadão.

    Adelaide Nardocci, professora da Faculdade de Saúde Pública da USP, explica que a exposição à poluição sonora afeta a saúde e o bem-estar. “Entre os efeitos crônicos (após exposições repetidas por período prolongado), os mais importantes são o aumento do risco de doenças cardiovasculares; alterações no funcionamento do sistema endócrino, podendo resultar em obesidade abdominal; diabete tipo 2 e distúrbios do sono, que trazem prejuízos para a saúde mental e a realização das atividades diárias”, afirma.

    Moradores reclamam ainda da demora no atendimento do Psiu e de fiscalizações no horário diurno (quando não há ruído). A professora Carolina Sollero, de 45 anos, moradora do Instituto de Previdência, na zona oeste, fez duas reclamações sobre o excesso de ruído em um restaurante vizinho de muro. Os registros são de 19 de novembro e 19 de fevereiro. Até hoje, a reclamação não foi atendida pela Prefeitura. A questão só foi resolvida depois que ela chamou a PM diversas vezes.

    POLUIÇÃO. A poluição sonora é ainda mais flagrante nos bairros como a Vila Madalena, local de moradia, trabalho, cultura e lazer. Na descida da Rua Aspicuelta, entre a Fidalga e a Mourato Coelho, quatro dos seis estabelecimentos tocavam música alta por volta das 20h na última sexta-feira.

    Samba, pagode e ronco de motos se misturam. Distante 100 metros, onde existem moradores, o cenário era parecido, com pelo menos três locais tentando fisgar clientes pelo ouvido. Em um deles, uma roda de samba projetava o som dos instrumentos até do outro lado da calçada. Outro componente: o barulho do motor de um Camaro vermelho rasgava o começo da noite. E as motos dos entregadores zuniam, uma após a outra.

    O cenário do bairro boêmio tem ainda locais que vendem bebida delivery, mas que atendem quem passa e para. É assim na Fradique Coutinho. O muro baixo das casas facilita a propagação do som. “Temos muitos bares novos que demoram para se adaptar às regras”, diz Cassio Calazans de Freitas, presidente da Sociedade Amigos da Vila Madalena (Savima). Depois da 1h, horário em que os bares fecham, surgem outros atores nas ruas: os vendedores ambulantes. A Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) cobra mais ação da Prefeitura. “Trabalhamos para conscientizar os bares. Alguns locais de entrega vendem as bebidas na rua. Nesse ponto, a Prefeitura tinha de ser mais enérgica”, afirma Percival Maricato, presidente da entidade.

    O barulho já preocupa o Ministério Público. O promotor Jorge Masseran revela que 30% dos inquéritos civis da Promotoria do Meio Ambiente tratam de ruídos. “Há ruídos evitáveis, que podem ser contornados com o uso da tecnologia. Sobre os inevitáveis, é possível criar barreiras naturais ou de engenharia para reduzir danos”, sugere.

    PREFEITURA. Por meio do Psiu, vinculado à Secretaria Municipal de Subprefeituras, agentes fiscalizam ruídos em todo o Município conforme as denúncias realizadas nos canais oficiais, informa a Prefeitura.

    Após o recebimento da solicitação, é elaborada a programação para as vistorias nos locais. Por meio de fiscalizações, o Psiu identifica os locais que ultrapassam os limites de som e fazem a autuação. Eventualmente, caso o problema persista, há o fechamento administrativo do estabelecimento, diz a administração.

    A Prefeitura afirma que o local citado no Instituto da Previdência tem previsão de receber a fiscalização e a data não é informada para não atrapalhar o serviço. Ressalta ainda que as vistorias são no horário de movimento dos estabelecimentos. Os fiscais gravam suas medições em um tablet offline e esses dados são sincronizados no Wi-Fi.

    Já a PM informou que realiza a Operação “Paz e Proteção” em todo o Estado, principalmente nos fins de semana, para evitar a formação dos pancadões. De janeiro a maio, a PM atendeu 30.294 chamados para esse tipo de ocorrência. Procurada, a GL Eventos, responsável pelo Anhembi, não deu resposta.

    As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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