Recital de Beethoven abre o Mozarteum
Rudolf Buchbinder atende o telefone em sua casa em Berlim, na Alemanha, e ainda dá para ouvir uma última nota vinda do piano. “Estou estudando, me preparando para os recitais que vou fazer aí no Brasil. Muita música para repassar”, ele diz ao Estadão.
O repertório é composto de sonatas de Ludwig van Beethoven (1770-1827). O compositor é sua especialidade. Ele já gravou as 32 sonatas e já apresentou o ciclo completo 60 vezes em palcos de todo o mundo – em 2021, lançou uma caixa com 12 discos com toda a obra para piano do autor. Difícil, então, evitar a pergunta: o que resta ainda para preparar? Ele ri. “Tudo, basicamente tudo”, responde o pianista.
Os concertos acontecem na Sala São Paulo e abrem a temporada internacional do Mozarteum Brasileiro. Hoje, Buchbinder toca a Sonata Patética, a Sonata ao Luar, a Sonata Waldstein e a Sonata n.º 10. Amanhã, o programa tem a Sonata A Tempestade, a Sonata A Caça, a Sonata Appassionata e a Sonata n.º 6.
“No momento em que me sentar ao piano e não entender essas peças, cada interpretação, como uma viagem em diferente ao novo, terei um problema”, ele explica. “É preciso evitar sempre a ideia de que chegamos a um ponto definitivo quando falamos na relação com uma obra musical. Não é um clichê: sempre há algo a descobrir.”
SENSÍVEL
Ainda mais em um compositor como Beethoven. “A imagem que se construiu do compositor ao longo do tempo é a de um titã, uma força da natureza. Mas olhem a sua música, escutem o que ele escreveu. Ele foi um homem extremamente sensível, um revolucionário em muitos sentidos, mas acima de tudo um humanista.”
As 32 sonatas para piano foram escritas ao longo de toda a vida do compositor. E entraram na vida de Buchbinder muito cedo. Ele foi aluno de Bruno Seidlhofer, em Viena, assim como o brasileiro Nelson Freire. Tinha com a música de Beethoven uma relação próxima, de constante curiosidade, como diz. Mas, assim que, seis décadas atrás, sua carreira começou a engrenar, hesitou perante o primeiro convite para gravar as obras.
“Eu acreditava que antes deveria gravar outras obras dele para piano, isso me ajudaria a entender as sonatas de uma outra maneira”, conta Buchbinder. Também começou a programar as obras em seus recitais ao vivo. Apenas depois disso sentiu-se à vontade para entrar no estúdio.
“Há muita coisa sobre o que refletir quando se toca essa música. Vou te dar um exemplo. Quando ele anota ‘expressivo’ na partitura e, depois, pede que voltemos a tocar no tempo, está nos dizendo que há nesse expressivo uma dose de liberdade. Mas como ele deve soar? É o desafio que ele te coloca. Qual a medida dessa expressão? Não há como encontrar uma resposta definitiva e aí está o desafio.”
PARTITURAS
A relação com as obras despertou no pianista outra curiosidade: ele hoje é um colecionador orgulhoso de diferentes edições das partituras. Há em seu acervo desde as primeiras edições do século 19 até outras que pertenceram a – ou foram feitas por – outros pianistas.
“Por um lado, você encontra muitos detalhes, muitas coisas que vão se perdendo com o tempo, que podem sugerir algumas ideias ou noções de interpretação. Mas é um material precioso também por outros motivos. Tenho aqui comigo uma edição feita por Franz Liszt. Ele era um grande virtuoso, o principal pianista de seu tempo. Mas ele mantém todas as indicações de dedilhado originais de Beethoven. Ele não precisaria fazer isso, grande pianista que era, mas fez. E isso para mim é prova do sinal do respeito que a música do compositor inspirou ao longo da história.”
E incomoda Buchbinder que, apesar de um repertório amplo, ele seja sempre associado a Beethoven? “O concerto para piano e orquestra que mais toquei até hoje foi de (George) Gershwin. E as pessoas se surpreendem quando digo isso! Mas devo dizer que a associação com Beethoven não me incomoda. Mesmo. Afinal, não é nada mau poder passar uma vida toda ao lado de sua música.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.