• “Rastros de Luz” … rastros de memória

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  • 08/05/2022 08:00
    Por Leandro Garcia, Presidente da APL

    Segundo Massaud Moisés, no seu já clássico “Dicionário de termos literários” (Ed. Cultrix, 1974), podemos entender que “a crônica de feição moderna, via de regra publicada em jornal ou revista e muitas vezes reunida em volume, concentra-se num acontecimento diário que tenha chamado a atenção do escritor, e semelha à primeira vista não apresentar caráter próprio ou limites muito precisos. Na verdade, classifica-se como expressão literária híbrida, ou múltipla, de vez que pode assumir a forma de alegoria, necrológio, entrevista, invectiva, apelo, resenha, confissão, monólogo, diálogo em torno de personagens reais e/ou imaginárias” (pp. 132-133).

    Creio que esta classificação teórica se aplica perfeitamente ao atual livro de Fernando Costa – “Rastros de Luz” – que acaba de ser publicado pela Editora Literar. Com excelente esmero gráfico, um bom tipo de papel, impressão bem legível e uma imagem de capa que logo nos remete a Petrópolis – a foto de um jardim repleto de hortênsias, flor que ainda teima em ser um dos símbolos da Cidade Imperial. O livro é um convite à leitura e à reflexão. Prefaciado pelo bispo diocesano de Petrópolis, D. Gregório Paixão, também tem a apresentação do saudoso D. José Carlos de Lima Vaz (in memoriam), orelhas de Antônio Torres D. Filippo Santoro e Quarta capa de Murilo Melo Filho (in memoriam). Só por essas credenciais, poder-se-ia afirmar que o livro é bom e vale a sua leitura. Mas me detenho a outros aspectos igualmente importantes, especialmente aqueles ligados à memória e registrados pelo cronista.

    Na minha opinião, em seu texto introdutivo, D. Gregório Paixão resumiu bem este livro e a própria obra de Fernando Costa: “A obra do Dr. Fernando Costa não nos deixa dúvida: quem salva a alma da sociedade não é o homem que traz a palavra, mas a palavra que ele traz, ensinando-nos que a escrita é manifestação de uma palavra encarnada, a partir da palavra escrita, mediante a palavra pensada”. (p. 13). De fato, este lançamento é uma enorme contribuição à memória petropolitana no sentido mais amplo e interdisciplinar possível, pois o nosso autor – qual “flâneur” pela Cidade de Pedro – percorre esta através das suas personalidades, dos seus amigos, das situações, lugares e outros marcadores subjetivos do seu apreço. Registra tudo e todos! Resgata lembranças de tempos, espaços e pessoas, pois nada lhe escapa ao registro em seus textos publicados nos diferentes veículos da imprensa de nossa cidade.

    Propositalmente, evoquei o artifício da “flânerie”, que nos remete à Paris do séc. XIX, que era a prática de alguns personagens de Charles Baudelaire, transitando pela cidade, olhando as suas particularidades, encarando as mudanças, falando com as pessoas e registrando o que ocorria com estas. Enfim, o “flâneur” era uma espécie de cronista do passado e do presente da cidade, o que levou o crítico e filósofo Walter Benjamim a considerar tal prática como um indício da modernidade que ora batia às portas da Cidade Luz. Ora, podemos associar esta situação à práxis cronista de Fernando Costa neste seu “Rastro de Luz”: a Cidade Imperial é registrada nas suas diferentes representações com lugares, personalidades, artistas, acontecimentos etc. Enfim, uma cidade viva e pulsante emerge dessas páginas, com todas as suas vicissitudes e peculiaridades.

    É difícil escolher um texto específico e apresentá-lo, tamanha é a qualidade de todos eles. Então tento optar por alguns para exemplificar questões que julgo importantes. É o caso de “Dante Milano, joia da poesia brasileira”, do qual retiro a seguinte passagem: “Aos 17 anos passou por outros empregos também na redação de jornal, o que lhe possibilitou a convivência com a poesia de Camões, Horácio, Virgílio, Dante Alighieri, Petrarca, Baudelaire, Mallarmé etc.” (p. 72). Ora, aqui Fernando Costa apresenta Dante Milano ao seu público leitor, poeta de altíssima qualidade, reconhecido como dos maiores do Brasil, na opinião sempre repetida de Carlos Drummond de Andrade e também de Manuel Bandeira. Proporcional à grandeza de sua poesia, é igualmente o injusto esquecimento ao qual a obra de Dante Milano está relegada. Assim, o papel do cronista é também de memorialista e de crítico literário, ajudando na divulgação e mantendo viva a memória do grande vate.

    Outro texto que me impactou deveras foi “Seja bem-vindo, Dom Gregório!” (p. 47), por conta de uma intensa pesquisa histórica feita pelo autor a respeito dos párocos e vigários que já passaram pela catedral diocesana de Petrópolis, desde 1846, aquando de sua fundação. Trata-se de uma verdadeira investigação que importa não apenas à história eclesiástica da nossa cidade, mas também faz o registro de pessoas (clérigos) importantes para se compreender o catolicismo fluminense, uma vez que o nosso autor explica que outrora estávamos canonicamente ligados à diocese de Niterói.

    Por fim, na difícil escolha de uma determinada passagem para analisar, indico a leitura de “São Pedro Apóstolo e São Pedro de Alcântara” (p. 199). Aqui ressalta-se a forte religiosidade católica de Fernando Costa, elemento profundo de sua identidade pessoal, que interfere positivamente na sua estilística pessoal de escrita e escolha dos temas narrados. Retiro o seguinte fragmento: “Outra confusão que precisa ser esclarecida: São Pedro, o primeiro papa da Igreja de Cristo, foi um dos 12 apóstolos, pela tradição, o primeiro deles. Não há como se confundir com São Pedro de Alcântara, o primeiro padroeiro do Brasil, decreto de Sua Santidade papa Leão XII, de 31/5/1826”. (p. 199). Na minha opinião, um esclarecimento hagiográfico necessário àqueles que confundem estes dois santos da Igreja Católica.

    Termino retornando ao dicionário de Massaud Moisés, lembrado no início desta minha resenha: “Modalidade literária sujeita ao transitório e à leveza do jornalismo, a crônica sobrevive quando logra desentranhar o perene da sucessão anódina de acontecimentos diários, graças aos recursos de linguagem do prosador”. (p. 133). É isso que o caro leitor encontrará em “Rastros de Luz”, livro necessário que Fernando Costa nos presenteia a todos. Bem como presenteia a APPO (Associação Petropolitana dos Pacientes Oncológicos), entidade social que será agraciada com as vendas deste livro, em mais um gesto de nobreza e abnegação do seu autor.

    Enfim, convido a todos à leitura de “Rastros de Luz”, mais uma obra importante a compor o acervo contemporâneo da literatura petropolitana, testemunha da sensibilidade e do registro de Fernando Costa: cronista sensível e atento da nossa Cidade Imperial. 

    SERVIÇO:

    Livro: “Rastros de Luz”

    Autor: Fernando Costa

    Editora: Literar

    Lançamento: 21/5/2022, às 18h

    Local: Casa Cláudio de Souza (Praça da Liberdade, 247)

    Formato: sessão solene da Academia Petropolitana de Letras

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