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  • 16/04/2022 08:00
    Por Gastão Reis

    (Este artigo foi publicado em abril de 2002, mais de 20 anos atrás. Reescrevo agora, com algumas alterações, por me parecer atual, em especial no período de quaresma, que nos fortalece a fé com a ressurreição de Cristo.)

    O título acima tem um quê de poesia concreta. Essa teoria poética foi muito difundida, na década de 1950, pelos irmãos Campos e por Décio Pignatari, todos radicados na cidade de São Paulo. Esse tipo de poesia buscava minimizar as significações subjetivas e abrir espaços para cores, linhas e formas, os chamados elementos concretos objetivos. As figuras geométricas estavam presentes em sua composição de forma marcante.

    Um exemplo concreto nos permite pôr o pé em chão firme, até onde isso é possível no mundo dos poetas. Imagine a palavra LUXO escrita em maiúsculas, com cada letra tendo cerca de 5 cm de altura. Ao olhar mais de perto a letra L, você descobre que ela foi montada usando-se a palavra “lixo”, com 1 cm de altura, como tijolinhos empilhados vertical e horizontalmente. As outras três letras da palavra LUXO também são escritas com a palavra “lixo”. E aí você descobre a mensagem. Mas seu significado pode ser múltiplo.

    O carnavalesco Joãozinho Trinta afirmava: “Quem gosta de miséria é intelectual. Povo gosta mesmo é de luxo.” Quando nos lembramos dessa frase, temos que repensar o papel do supérfluo em nossas vidas. A vida sem o supérfluo seria muito chata. Se luxo e lixo são supérfluos, nem por isso são dispensáveis. E vai por aí numa riqueza de significados proporcional à magnitude da obra de arte. Em Shakespeare, você nunca consegue reler do mesmo modo uma mesma peça teatral dele. Surgem sempre novos ângulos e significados. Daí a grandeza.

    Obviamente o NI entre parênteses no título pode ser eliminado, permitindo-nos lê-lo como “O Mistério de Deus”, que também é seu ministério. Essa função divina de prover mistérios é a matéria-prima com que trabalha o religioso e o cientista. Sem esse dedo de Deus, ambos estariam sem condições de exercer seu ministério…

    Uma boa ilustração do mistério sempre renovado é a história do Santo Sudário, o pano que envolveu Cristo após sua “morte” por três dias. O Vaticano, sem medo da ciência e confiante em Deus, forneceu amostras do tecido a três instituições científicas que as submeteram a testes rigorosos capazes de dizer com exatidão qual a época em que o tecido teria sido confeccionado.

    Eu nunca me esqueço das caras orgulhosas dos três cientistas, representantes das três instituições renomadas, afirmando que o Santo Sudário datava do século XII. E que, portanto, não poderia ter envolvido o corpo de Cristo. Descobriram, pouco depois, que tecidos sujeitos à densa fumaça dos incêndios, quando submetidos a testes de idade, apresentavam uma distorção significativa. Levando-se em conta esse fator, os tecidos se revelavam muito mais antigos. Foi exatamente isso que havia acontecido com o Santo Sudário, que foi resgatado milagrosamente de um incêndio.

    Refeito o teste, constatou-se que datava mesmo do primeiro século da era cristã. Só para ter uma ideia dos muitos mistérios que envolvem o Santo Sudário, vale ressaltar a conclusão a que se chegou quanto à figura humana impressa no tecido. Ela só poderia ser como é, caso a pessoa envolta tivesse passado através do tecido ao se desvencilhar dele. Coisa impossível para os humanos. Só mesmo um milagre para “explicar”…

    Certa vez, lendo uma entrevista de um grande escritor português, ele dizia que o mistério está sempre presente em nossas vidas. Perpassa tudo. Desvendado um, outro se apresenta. E assim vai. Lamentava a incapacidade de certos cientistas em não perceber claramente esse processo. Soa um tanto ridícula a afirmação de certos físicos de que estão à beira de revelar todos os mistérios ocultos da natureza.

    Esse tipo de declaração foi feita, no início do século passado, em relação a outros campos do conhecimento por grandes nomes da época. Os imensos avanços observados nas décadas seguintes dão bem a medida do equívoco cometido. Não foi possível declarar o fim dos mistérios. Sempre surgem novos a serem elucidados. Parece que o Criador se compraz em criar novos enigmas para nós, humanos, decifrarmos. O ministério de Deus, o Grande Mistério, é nos revelar seus infindáveis mistérios, um quebra-cabeça que só conseguimos desvelar em parte através da ciência e outros campos do conhecimento.

    Um(a) leitor(a) mais exigente poderia objetar que eu não estaria sendo rigoroso no uso da palavra mistério, strito sensu, algo insondável. Mas quando nos damos contas do muito que se afigurava como imperscrutável na história da humanidade, e depois nos foi explicado pelo avanço do conhecimento, não é de todo proibido usar a palavra mistério como está sendo feito neste artigo.

    O caso de Marconi, inventor da telegrafia sem fio, ilustra uma situação peculiar. Ele queria enviar uma mensagem de Nova York para Londres, e o conhecimento científico de então garantia que o som só se propaga em linha reta. A curvatura da terra, portanto, impediria que sua mensagem chegasse ao destino desejado. Mas ele desafiou a sabedoria convencional e conseguiu. O mistério foi resolvido quando se descobriu depois que na camada superior do planeta havia uma espécie de parede em que a onda sonora batia e voltava para a terra. Subia e descia em linha reta. A ciência estava certa e o entusiasmo desafiador de Marconi também.

    A palavra entusiasmo nos ajuda a entender o lado maravilhoso do mistério. Ela deriva do grego “enthousiasmos” que significa “ter um deus interior” ou “estar possuído por Deus”. A pessoa capaz de nutrir entusiasmo pelo que faz, por sua profissão, pela fraternidade, certamente está possuída por uma força interior que tem algo de divino. É capaz de enfrentar os desafios da vida pondo em prática aquele verso de Shakespeare que nos transmite uma verdade prática: “Doces são os usos da adversidade.” As pedras no caminho são desafios do Criador para nos superarmos e caminhar Sua direção.

    Feliz Páscoa, caro(a) leitor(a).

    (*) Artigo do autor, “O papa, os pobres e os economistas”, publicado no Estadão, de 02/01/2015, que complementa o artigo acima. Basta digitar no Google o título e meu nome completo: Gastão Reis Rodrigues Pereira.

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