• Questão de Gênero: O combate à pobreza menstrual começa no acesso à informação

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  • 05/12/2021 09:59
    Por Luana Motta

    Para muitas de nós, que temos útero, a pobreza menstrual começa muito antes da primeira mancha na roupa íntima. Começa quando não sabemos ao certo o que está acontecendo com nosso corpo. Quando ainda crianças, aos 9 ou 13 anos, descobrimos que alguma coisa está mudando, e não temos quase nenhum esclarecimento sobre isso. A falta de informação é um aspecto importante da pobreza menstrual.

    Mesmo na vida adulta, muitas de nós continuamos repetindo alguns padrões da adolescência. Tratamos a menstruação como se fosse algo incomum ao corpo, como se fosse motivo de constrangimento. Continuamos a esconder o desconforto físico, a cólica e o uso do absorvente, não falamos sobre isso em casa, com outras mulheres ou nossos parceiros. 

    A advogada Priscila Braga, que é diretora-tesoureira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) da Subseção Petrópolis e presidente da Comissão OAB Mulher Petrópolis, junto com algumas advogadas da ordem, lideram uma campanha de arrecadação de absorventes pelo combate à pobreza menstrual na cidade. Foram arrecadados 1 mil pacotes em menos de dois meses de campanha. E nas ações, essas mulheres perceberam que, além da falta de acesso ao item de higiene pessoal, a falta de informação é um problema grave, principalmente entre as jovens.

    No projeto “OAB vai à escola”, em que os advogados visitam a rede de ensino promovendo palestras sobre cidadania e direitos humanos, assuntos como a menstruação e a mudança no corpo na adolescência acabam surgindo por parte dos estudantes. Priscila conta que muitas vezes se viu nas jovens com quem conversou. A experiência da sua primeira menstruação também foi difícil, ainda que o assunto tivesse sido conversado dentro de casa. 

    “A questão das meninas não irem às aulas por falta do absorvente, mexeu muito comigo. Porque, claro, se eu não tivesse o absorvente também não iria. Tem umas que usam pano de chão, pano de prato, qualquer coisa sem nenhum tipo de higiene. Olha que perigo que elas correm, um risco à saúde”, contou. 

    Para muitas mulheres e pessoas trans, o absorvente é um item de luxo. Porque antes da falta deste item, há muitas outras carências, como o saneamento básico, o acesso à água potável e até ao banheiro. Combater a pobreza menstrual exige uma mudança de consciência sobre como o corpo das mulheres e pessoas trans são vistos no convívio social. Vivemos em uma sociedade machista, e por isso é importante incluir o tema no debate público. Naturalizar o que já é natural do nosso corpo. 

    Priscila, que tem uma filha de 17 anos, disse que traz o tema para a conversa em casa, mas que ainda sente resistência por parte das outras mulheres. “Nessas situações, as adolescentes ainda têm esse problema. As pessoas dizem que as meninas de hoje estão “avançadas”, mas isso é porque elas imitam coisas que veem outras mulheres fazendo como blogueiras e influencers, mas se você for ver, elas conhecem muito pouco sobre os assuntos do próprio corpo”, disse. 

    Para ter uma vida digna é preciso ter acesso à direitos básicos, que para a maior parcela da população do país, que vive em situação de pobreza, só é garantida com a intervenção do estado. Que nem sempre garante. Priscila disse que as advogadas se viram tentando suprir uma lacuna que não era feita pelo poder público. E com isso estão trazendo a OAB para dentro da sociedade. 

    Em outubro deste ano, o presidente Jair Bolsonaro sancionou o projeto de lei que cria o Programa de Proteção e Promoção à Saúde Menstrual (lei nº 14.214/2021), mas fez isso vetando pelo menos cinco itens da proposta original. Um desses vetos, e talvez o mais importante, é a entrega gratuita dos absorventes para mulheres de baixa renda e população em situação de rua. No projeto, Bolsonaro joga para os gestores de educação a possibilidade de ter esse “gasto” com saúde pública. 

    A negativa do presidente fez com que estados e municípios que não distribuiam gratuitamente o item, se mexessem. A sociedade civil também se mobilizou, assim como no começo da pandemia, quando eram arrecadados itens de higiene e limpeza para distribuição em comunidades. 

    Em outubro, o Governo do Estado do Rio também sancionou uma medida de combate à pobreza menstrual, a lei nº 9.404/2021, que distribui gratuitamente absorventes na rede estadual de ensino. Cada estudante tem direito a um pacote mensal com 32 absorventes. E no mês passado, foi a vez do município. Em novembro, passou a valer a lei que vai distribuir gratuitamente absorventes para estudantes da rede municipal de ensino. São pelo menos 11 mil estudantes que serão beneficiados com o programa. 

    Priscila diz que no combate à pobreza menstrual, não basta só doar o item, mas fazer um trabalho educacional que abraça tanto a nós, pessoas com útero, como homens que não menstruam. “Não é só uma questão de doar, as advogadas querem também ter o contato com essas mulheres que moram em periferias, queremos conversar, levar informação também sobre outros temas como violência doméstica. A troca de convivência é até mais importante do que só doar”, disse. 

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