• Queda do PIB de 2020 é a 3ª maior da história e só perde para as de 1990 e 1981

  • 03/03/2021 12:46
    Por Daniela Amorim e Vinicius Neder. Colaboraram Thaís Barcellos e Gregory Prudenciano / Estadão

    A retomada econômica perdeu fôlego no último trimestre do ano passado, quando o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 3,2% em relação ao terceiro trimestre, informou nesta quarta-feira, 3, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Diante da redução no período do valor do auxílio emergencial, extinto desde janeiro de 2021, e da piora da pandemia de covid-19, a desaceleração já era esperada. Com o dado do quarto trimestre, o PIB caiu, na média de 2020, 4,1% ante 2019, o terceiro pior resultado da história.

    O tombo foi menor do que a retração de 4,35% registrada em 1990, ano do confisco das poupanças pelo governo Collor, que segue marcado como a maior retração econômica anual de que se tem registro, numa série histórica desde 1901, compilada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). O segundo pior desempenho desde o século 20 foi registrado em 1981, em meio à crise da dívida externa, quando o tombo foi de 4,25%.

    O resultado de 2020 veio um pouco melhor do que as projeções do mercado financeiro, que apontavam para uma retração de 4,2%, segundo mediana da pesquisa do Projeções Broadcast com o economistas do mercado financeiro, que esperavam baixa de 4,55% a 3,50%.

    Fortemente afetado pelas medidas de restrição de circulação para conter o avanço do coronavírus, o setor de serviços encolheu 4,5% no ano e a indústria registrou queda de 3,5%. Por outro lado, a agropecuária cresceu 2%.

    Pesou no resultado anual de 2020 o segundo trimestre, auge das medidas de restrição ao contato social para tentar conter a covid-19, com tombo de 9,2% (dado já revisado) ante os três primeiros meses do ano. Entre abril e junho, a retração foi tão maior do que outras já verificadas na história porque houve uma paralisação quase completa das atividades, a partir de meados de março do ano passado.

    Crise diferente

    Em outras crises – causadas por inflação, desequilíbrios nas contas externas ou bolhas financeiras, entre outras causas -, as empresas entram em dificuldade, suspendem investimentos e demitem funcionários, ou a renda das famílias é corroída, e elas consomem menos. Assim, lojas vendem menos, mas seguem vendendo. Indústrias veem a demanda cair e reduzem a produção, mas seguem produzindo.

    Em 2020, a crise foi diferente. A pandemia fechou lojas, que não podiam receber clientes, e fábricas, que não podiam aglomerar trabalhadores. Vendas e produção foram para perto de zero ao mesmo tempo, provocando uma enorme queda na comparação com o PIB de períodos anteriores.

    A partir de meados do ano, as medidas de restrição ao contato social começaram a ser relaxadas País afora. Só isso já foi suficiente para dar início à retomada, lembrou a economista-chefe da Tendências Consultoria, Alessandra Ribeiro. É o que economistas chamam de “recuperação cíclica”. As medidas adotadas pelo governo para mitigar a crise, com destaque para o auxílio emergencial, deram um impulso adicional.

    “Uma coisa é parar tudo e reabrir. Só com isso, já tem uma reação da economia. Depois, o auxílio (emergencial) foi muito importante, mas houve outros estímulos”, afirmou Alessandra, citando a baixa da taxa básica de juros (a Selic, que chegou aos atuais 2,0% ao ano, menor da história) e outras medidas do Banco Central (BC) sobre o crédito, o programa de preservação de empregos formais e o Pronampe, linha de financiamentos para pequenas empresas com garantia do Tesouro, operada pelo Banco do Brasil.

    Portanto, a ação do governo e do Congresso Nacional evitou um resultado anual ainda pior. Para o estrategista-chefe do Banco Mizuho na América Latina, Luciano Rostagno, a história da retomada da atividade econômica no ano passado só pode ser contada tendo os estímulos fiscais, monetários e creditícios, “sem precedentes”, como protagonistas.

    No momento mais pessimista das pesquisas do Projeções Broadcast, quando o IBGE informou o PIB do primeiro trimestre, no fim de maio, as projeções apontavam para uma retração de 6,5% em 2020. Dali em diante, os analistas foram revisando para cima as projeções, à medida que foram sendo divulgados dados econômicos.

    A pandemia também desorganizou a economia. Com as famílias passando mais tempo em casa, o comércio eletrônico permitiu que o consumo de bens fosse mantido, beneficiando a recuperação da indústria. Com isso, o PIB industrial avançou 1,9% no quarto trimestre ante o terceiro, fechando 2020 com queda de 3,5% sobre 2019.

    Por outro lado, o isolamento social seguiu afetando a prestação de serviços como alimentação fora, lazer e viagens. Com isso, o PIB de serviços avançou 2,7% sobre o terceiro trimestre, mas isso não foi suficiente para evitar a queda de 4,5% em 2020 ante 2019.

    A desorganização dificulta a retomada, porque o setor de serviços responde por 73% do PIB. Esse peso também se reflete no consumo, direcionado em sua maioria para os serviços. Mesmo com o impulso do auxílio emergencial, a alta de 3,4% no consumo das famílias no quarto trimestre sobre o terceiro não evitou a queda de 5,5% em 2020.

    Como a redução do poder de fogo das medidas do governo já era conhecida – em setembro, o auxílio emergencial foi reduzido de R$ 600 para R$ 300 mensais, com o último pagamento feito em dezembro – e houve a piora da pandemia em dezembro, a perda de fôlego da retomada no fim do ano era esperada. A desaceleração da recuperação continuou neste início de ano, sem o auxílio e com os sistemas de saúde no limite, e vários economistas já esperam uma retração do PIB no primeiro trimestre.

    “2020 é o ano que não terminou. O ano de 2021 é um ‘repeteco’, e agravado. Estamos vendo uma rebarba forte da pandemia, sem os instrumentos (para mitigar a crise), como o auxílio (emergencial), e com o desemprego e a inflação mais elevados. É um 2020 piorado”, afirmou o economista Antônio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP.

    Segundo Alessandra Ribeiro, da Tendências, dados de dezembro, janeiro e fevereiro apontam que o fim do auxílio emergencial tem causado impacto negativo “mais importante” do que o inicialmente estimado. Por isso, e por causa da piora na pandemia, a consultoria projetava crescimento abaixo de 3,0%, antes de saírem os dados do quarto trimestre.

    Ao mesmo tempo, lembrou a economista, as discussões em torno da reedição da transferência de renda trazem à tona as incertezas sobre os desequilíbrios fiscais. O governo federal já vinha com déficits nos últimos anos por causa da crise fiscal que se arrasta desde a recessão de 2014 a 2016, mas o quadro se agravou com a pandemia. Ano passado, o déficit primário nas contas do governo – que não considera as despesas financeiras com juros da dívida – foi de R$ 743,087 bilhões, ou 10% do PIB, o maior rombo da série histórica do Tesouro Nacional, iniciada em 1997.

    Agora, após dois meses sem pagar o auxílio emergencial, o governo ainda negocia com o Congresso uma reedição da medida, por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que autoriza a inclusão da transferência de renda no Orçamento deste ano, mas cria novas medidas de ajuste das despesas no futuro. A PEC está prevista para ser votada nesta quarta-feira.

    Controle da pandemia e vacinação

    Na visão de Alessandra, o controle da pandemia e o ritmo da vacinação são mais importantes para definir o ritmo da recuperação econômica em 2021, mas a questão fiscal poderá tirar ainda mais fôlego da retomada.

    O efeito aí é indireto. Com as incertezas sobre o equilíbrio das contas do governo, agentes do mercado financeiro passam a buscar taxas de juros mais elevadas ao investir nos títulos públicos. Isso contribui para a elevação das cotações do dólar.

    O câmbio mais elevado serve de combustível para a inflação e poderá levar o BC a elevar os juros básicos. A elevação geral dos juros encarece investimentos e pode reduzir o ritmo de crescimento.

    Incerteza fiscal e necessidade do auxílio

    Para o economista-chefe da XP Investimentos, Caio Megale, as incertezas fiscais preocupam mais. Isso porque Megale – que integrava a equipe do Ministério da Economia, ocupando três cargos diferentes, até julho de 2020 – aposta que a vacinação contra avançará e que, mesmo sem o auxílio emergencial, recursos poupados pelas famílias manterão o consumo.

    “O que pode piorar o cenário de PIB em 2021 não é a pandemia, não é a redução dos estímulos, mas uma piora relevante da percepção de risco”, afirmou o economista da XP.

    Para Megale, a percepção de risco piorou recentemente, com a crise na Petrobras – o presidente Jair Bolsonaro criticou a política de preços dos combustíveis e indicou um novo presidente para a estatal – e as sinalizações de que o auxílio emergencial poderá ser reeditado com poucas contrapartidas de cortes de gastos.

    “Nesse ambiente, o câmbio talvez não seja tão favorável quanto a nossa projeção de R$ 4,90 (para o fim do ano). Se o câmbio for R$ 5,50, a inflação vai ficar mais pressionada, o Banco Central vai ter que antecipar a alta de juros, o que pode comprometer o crescimento no fim deste ano e do ano que vem”, completou o economista da XP.

    O professor Lacerda, da PUC-SP, vê a reedição do auxílio como inevitável. Diante da elevação dos déficits nas contas públicas em todos os países, por causa do cenário inédito da pandemia, o problema maior é o governo federal não ter um plano de longo prazo de equilíbrio. No curto prazo, sem a transferência de renda emergencial, o desempenho da economia será pior em 2021, derrubando a arrecadação de tributos e, portanto, ampliando o rombo fiscal da mesma forma, segundo o economista.

    “Não vamos conseguir o equilíbrio fiscal negando os recursos (para o auxílio), porque a arrecadação vai cair ainda mais, vai haver atrasos no pagamento de tributos. Não há muita alternativa se não fazer (uma nova rodada do auxílio)”, afirmou Lacerda.

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