• Que tal pensarmos fora do quadrado

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  • 09/mar 08:00
    Por Gastão Reis

    O momento vivido pelo País exige ousadia. É hora de superar os limites que se alojam, sorrateiramente, dentro de nossas mentes. Para tanto, nada melhor do que dar ouvidos a Edward de Bono, o mestre do pensamento lateral. Ele insiste na importância fundamental de analisar um problema sob vários ângulos, e de fora para dentro. A solução genial surge, com frequência, dos escorregões do pensamento científico ou lógico.

    Eu me explico: o exame detalhado de inúmeras inovações e invenções comprova a presença do acaso ou de lateralidades (literalmente, coisas que estavam ao lado, fora do foco principal) como fator crítico de sucesso. Ou seja: existe estreita relação entre lateralidade e criatividade. A presteza, ou mesmo a teimosia, da mente em detectar essas oportunidades é que faz o milagre. Por vezes, até máquinas enguiçadas se tornam criativas, como foi o caso da toalha felpuda, nascida de um defeito de um tear que fabricava tecido liso.

    O caso de Marconi com a telegrafia sem fio é ilustrativo de como o pensamento lógico pode matar o nascimento de uma descoberta. Ele se propôs a enviar uma mensagem sem fio entre Londres e Nova York. Os especialistas afirmavam que ondas sem fio se propagam em linha reta. E que, portanto, a curvatura da terra impediria que ele enviasse sua mensagem entre as duas cidades. Felizmente, Marconi teve a ousadia de desafiar a ortodoxia científica, e realizar seu experimento. E conseguiu!

    Mais tarde se descobriu que existe uma camada na atmosfera da terra, que recebe as ondas enviadas e as faz retornar à terra, tornando possível a comunicação sem fio. O lado de cima, a atmosfera terrestre, reservara essa surpresa aos cientistas. E que só foi descoberta por que Marconi pôs a mão na massa e fez a experiência, mesmo contrariando os ditames da ciência na época. Na verdade, confirmou-se o primado científico da propagação do som em linha reta. O que não estava no script é que, a certa distância da terra, havia uma espécie de “parede” onde a onda batia e voltava em linha reta, contornando desse modo a curvatura da terra.

    Um outro exemplo foi uma famosa reportagem escrita por um ícone do jornalismo literário, o ítalo-americano Gay Talese. O título era “Franklin Sinatra está resfriado”. Trata-se de uma “entrevista” do famoso cantor, pelo próprio Talese, que jamais aconteceu. O que o entrevistador fez foi usar a técnica da borboleta, voando em volta de seu objeto de desejo. Ele fez vários contatos com pessoas que conheciam Sinatra intimamente.

    Comeu o mingau pelas beiradas, até que não sobrou quase nada. Se tivesse realizado a entrevista, provavelmente teria produzido uma boa matéria, mas bem menos informativa sobre o famoso cantor. Sinatra teria lhe dado a visão de mundo dele, sem a riqueza dos depoimentos dos que o viam de fora para dentro. O que mais impressiona nessa história é como um obstáculo acabou se transformando numa poderosa alavanca.

    Arquimedes, o famoso matemático e inventor grego, anteviu tudo isso quando afirmou: “Dê-me uma alavanca e um ponto de apoio, e eu moverei o mundo”. No caso de Sinatra, quantos repórteres teriam desistido de entrevistá-lo já que ele se negava terminantemente a ser entrevistado. Pensariam não ter o tal ponto de apoio. Seria uma folha em branco ao invés de um texto de excelente qualidade como foi produzido por Gay Talese. O ponto de apoio enriquecedor da “entrevista” foi justamente a recusa, e não a concordância, de Sinatra. Uma ausência que permitiu a Talese escrever uma reportagem que se tornou uma lenda e um ponto de referência obrigatório entre jornalistas.

    O desastre político por que estamos passando, na visão de Edward de Bono, seria também a hora de pensarmos na oportunidade esquecida, que está ao nosso lado. Para responsabilizar o Congresso, não seria o momento de adotarmos o parlamentarismo? Um parlamento que não só faria as leis, mas que saberia também acompanhar a execução delas, e ainda revogar as inúteis.  Mais importante ainda, promover uma reforma na legislação eleitoral abrindo espaço para uma democracia de fato. Ou seja, aquela em que o povo manda no governo, e não o inverso.

    Chega a ser um tanto cansativo ouvir que o Brasil não tem jeito mesmo, o que inclui reclamações contra o povo que não saberia votar. Na verdade, o que ocorre é como querer pintar sua casa, dizendo ao pintor que ele não terá trincha nem tinta para fazer o serviço. Você certamente me diria que não seria doido de dizer isso a um profissional do ramo. Por incrível que pareça, o eleitor brasileiro está em situação semelhante. Ele é advertido para votar com muita responsabilidade, escrutinando a vida dos candidatos e escolher o melhor.

    Como diria o saudoso Garrincha, parece que não combinamos com os russos. Ou seja, não damos ao eleitor a trincha e a tinta. Vale dizer, o voto distrital puro (ou equivalente) e o recall (possibilidade dele substituir seu representante que deixou de ser confiável). Sem estas ferramentas, brota um ser do pântano e uma profunda desilusão do eleitor com a política. No primeiro caso, o político que se esquece do eleitor após a eleição por não ter a obrigação mensal de prestar contas do que está fazendo no seu distrito eleitoral. No segundo, é a desilusão do eleitor que sequer tem noção que lhe faltam os instrumentos de controle de seu representante – entre – as eleições.    

    Essa comédia de erros não ocorria até 1889. Havia o poder moderador, que nunca era usado monocraticamente como é do gosto do STF, em especial pelo sr. Alexandre de Moraes, e o voto distrital puro, em que o político era fiscalizado por seus eleitores regularmente. Naquela época, tínhamos plena consciência de que o poder tende a se corromper. Daí a vigilância, como  fazem os ingleses até hoje com o seu Primeiro-Ministro toda semana. Presta contas ao Parlamento às quartas-feiras e ao rei (ou rainha) às sextas-feiras em audiência particular. O estranho é que o Brasil já foi assim e se perdeu. Até hoje!   

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